Presidente interino da Anvisa revela planos da Agência

O desafio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para 2015 está na disposição do órgão em aumentar a conversação com os setores, no intuito de ganhar destaque e inserção estrangeira

Na linha de frente das recentes polêmicas do mercado brasileiro de farmácia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está de presidente novo desde outubro de 2014. Com a saída de Dirceu Barbano no ano passado, o advogado Jaime César de Moura Oliveira assumiu o cargo interinamente e permanece na cadeira, mesmo depois de definidos os principais nomes do novo Ministério do segundo governo Dilma Rousseff.

Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Oliveira é mestre em Saúde Pública pela própria USP e também em Regulação de Biotecnologia pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra.
Na Anvisa desde 2011, já fez parte de diversas diretorias antes de ocupar a presidência do órgão. Foi ainda subchefe adjunto e substituto do subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República (SAJ).

Com tanto trânsito pelas esferas decisórias do governo, não é difícil imaginar que seja efetivado no cargo pelo atual ministro da Saúde, Arthur Chioro, e continue comandando a Agência, que tem entre os desafios para 2015 a implementação da rastreabilidade de medicamentos e o reaparelhamento das vigilâncias sanitárias municipais pelo País.
Jovem e cheio de fôlego, Oliveira desconversa sobre o desejo de permanecer ou não no cargo, mas diz que não encara como “monstruosas” as pressões do mercado farmacêutico e de setores organizados da área médica e farmacêutica dentro da entidade.

Sem deixar de responder a nenhuma pergunta – mesmo as mais espinhosas –, o presidente interino da Anvisa conversou com a reportagem do Guia da Farmácia em São Paulo (SP).
Guia da Farmácia • Muito se reclama da falta de estrutura e capacitação das vigilâncias sanitárias locais na concessão de documentos para novas farmácias ou certificados de competência delas. Como o senhor vai encarar o problema?

Jaime César de Moura Oliveira • Capacitação das vigilâncias existe o tempo todo. Capacitação técnica e de gestão. A Anvisa faz isso por meio do Sírio Libanês, em São Paulo, dentro do programa chamado Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROAD), que é aquele em que você destina recursos para uma determinada atividade que interessa dentro da saúde, em que as entidades filiadas conseguem abater essa formação de interesse público do imposto de renda. O problema que temos nas vigilâncias sanitárias é a rotatividade gigantesca. Enquanto os profissionais da Anvisa têm um concurso concorrido e remuneração boa, esta não é a realidade em várias partes do Brasil. Existem regiões em que a estrutura de trabalho é reduzidíssima, assim como a remuneração. E isso não atrai tantos bons quadros para trabalhar. E há o erro – muitas vezes da própria vigilância sanitária local – de como ela se “vende” como gestor público. A vigilância sanitária não se apresenta como uma solução, para que haja um desenvolvimento econômico e social qualificado ali, com proteção à saúde, considerando questões de risco, etc. Às vezes, ela se apresenta como aquela que não dá licença para coisas importantes. Existe uma cultura grande que precisa ser mudada, o que não acontece de uma hora para outra.

Guia • Mas o que está sendo feito em termos práticos para melhorar essa realidade das vigilâncias locais?
Oliveira • O que já existe na Anvisa em relação a isso é que foi feita uma pesquisa de vigilância sanitária em 2012 e 2013, que trouxe dados importantes para nós. Coisas que nem imaginávamos. Para aprofundar os pontos principais dessa pesquisa, foi feito um convênio com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que vai ajudar a entender melhor e atacar o problema. Nós já identificamos determinados grupos de municípios no País que têm déficit de estrutura que impedem até a execução das ações de vigilância sanitária. Antes, quando sobrava algum recurso de orçamento no fim do ano, nós repassávamos de forma homogênea para todas as vigilâncias locais. Agora, pegamos os municípios mais deficientes e destinamos os valores a eles. Isso certamente vai ajudar a criar alguma estrutura por lá. A aproximação com os legislativos também está sendo levada para os estados, a fim de chamar a atenção da classe política para que eles invistam mais recursos nas vigilâncias locais e não tratem esses órgãos como o “patinho feio” da gestão. Há muita coisa para ser mudada nesse sentido, mas algo já está sendo feito. 

Guia • O senhor fala muito sobre a Anvisa estar se inserindo internacionalmente e se articulando com agências sanitárias ao redor do mundo. Como é esse processo e como ele ajuda o Brasil?
Oliveira • Existe um movimento internacional grande no sentido de integrar mais as agências reguladoras, no nível de decisão. Negociações internacionais sobre temas de regulação sanitária são muito variadas e existem em grande número. E não há uma coordenação sobre isso. Esse grupo, que se chama International Coalition of Medical Regulatory Authorities (ICMRA), foi criado e composto por chefes das agências reguladoras e o objetivo é colocar uma governança mais adequada nas decisões internacionais que existem em matéria de regulações sanitárias. E um dos grandes enfoques é a necessidade de uma maior integração das agências, num sentido de compartilhamento dos trabalhos que elas fazem, não apenas no aspecto de informações. A Anvisa faz parte do grupo desde o início, em 2012. Inclusive a proposta de trabalho dessa forma partiu da Anvisa e depois foi bem-aceita por outras agências, como o Food and Drug Administration (FDA) norte-americano, que percebeu essa necessidade e a oportunidade de implementação. Na última conferência mundial de saúde, foi discutida e aprovada uma resolução da Organização Mundial de Saúde (OMS) que tratou do fortalecimento das autoridades nacionais reguladoras e maior integração entre elas. Então é um movimento que está muito forte e deve dar resultados positivos. 

Guia • Isso vai acabar com a burocracia e a longa espera dentro da Anvisa na concessão de patentes de medicamentos, por exemplo?
Oliveira • Em matéria de patentes, não interfere, por hora. É um movimento de médio e longo prazo, porque envolve negociações internacionais. Mas pode culminar no reconhecimento preferencialmente recíproco de trabalhos executados de uma agência reguladora em relação a outra. Então, se uma agência já emitiu determinado certificado e avaliou determinado produto, essa avaliação pode ser compartilhada e pode integrar e facilitar o processo de decisão do outro agente. O que nós temos de concreto em relação a isso é um projeto-piloto, feito por Estados Unidos, Brasil, Canadá e Austrália, com o Japão de observador, que chama de Medicines Devices Single Audit Project (MDSAP). Essas entidades acertaram um modelo de credenciamento de terceiros, que são especializados em inspeção de boas práticas. E eles fazem essa inspeção, trazem o relatório e, com base nele, as empresas inspecionadas são certificadas ou não. Esse é um embrião desse processo. O prazo de execução desse projeto-piloto é até o fim de 2016, se não me engano. É uma integração complicada de ser feita, mas uma vez dando bons resultados, certamente esse modelo de utilização de terceiros para realização de inspeções internacionais num ambiente multilateral de agências vai ser expandido na área de medical devices

Guia • Esse é um processo que pode agilizar os registros internacionais. Mas nacionalmente também há muita reclamação dos laboratórios em relação a prazos e certificações de novos produtos. Como o senhor vai melhorar isso?
Oliveira • Não é uma pessoa só que toca um processo como esse. Estou há quatro anos dentro da Anvisa. No momento respondo interinamente pela presidência, mas esse é um trabalho antigo, que já é feito pelos diretores e gestores da Agência, implementando medidas que possam melhorar as respostas que a Anvisa dá para a sociedade de forma geral. Em relação a essas inspeções internacionais e nacionais, no passado recente, já houve mudanças significativas. Porque, antes, havia um grupo maior de produtos que precisavam da certificação para se conseguir o registro. Foram feitas reavaliações desses produtos, mantidas as condições de certificação aos produtos de maior risco – classes 3 e 4 – e retirados da classe 1 e 2 desse tipo de necessidade. Então houve avanços positivos. A possibilidade de uso de entidades terceiras vai ser uma oportunidade de alargar o hall de atores disponíveis para fazer inspeções e, lógico, diminuir ainda mais os prazos. Existem discussões dentro da Anvisa também para saber se todos os produtos de classe 3 ou 4 precisam ter esse certificado ou podem usar documentos que sinalizam o cumprimento de boas práticas emitidas por outras agências. Também houve um aporte de mais 314 servidores para a Agência em 2013. Então, há ações anteriores feitas para diminuir prazos e, certamente, a Anvisa, de forma geral, trabalha para melhorar isso.

Guia • Como o senhor enxerga essa polêmica entre médicos e farmacêuticos sobre a prescrição farmacêutica, aprovada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF)?
Oliveira • A prescrição médica é uma atividade que diz respeito apenas à classe médica. O ato médico foi editado nesse sentido. Logicamente que é bom que haja uma interação para resolver problemas comuns entre a Anvisa e as entidades médicas e farmacêuticas. Mas prescrição, exceto em hipóteses legais previstas em lei – como a Lei dos Genéricos, etc. –, não é assunto de competência e atribuição da Anvisa responder. 

Guia • Tornada lei em 2009, a rastreabilidade de medicamentos ainda não saiu do papel. Ela vai avançar finalmente em 2015?
Oliveira • Existe uma resolução estabelecendo o prazo final para implementação da rastreabilidade para lotes-piloto. É um evento teste a respeito do sistema todo de rastreabilidade, com prazo até o fim deste ano. Existem normas que serão ajustadas nesse período a respeito da implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamentos. É uma exigência legal estabelecida desde 2009. De fato, havia um prazo de cumprimento em que foi feita uma tentativa de cumprir dentro de um determinado modelo, mas que não se revelou viável. Esse modelo foi desconstituído e criado o novo modelo que está em debate. 

Guia • Recentemente, a Anvisa liberou o registro de alguns medicamentos genéricos inéditos no País e criou a lista de medicamentos similares equivalentes, no intuito de colocar mais competidores no mercado e baratear preços. Há uma política dentro do novo governo de derrubar ainda mais os preços?
Oliveira • A questão de preços, eu coloco da seguinte forma: logicamente que quanto mais medicamentos podem ser substituídos por outros que existirem no mercado, tanto maior o nível de concorrência que existe entre eles. Afinal, as opções para o consumidor se tornam maiores. Similares que foram avaliados pela Anvisa e tiveram a equivalência terapêutica certificada e colocados na lista, é lógico que, com a divulgação que a Anvisa faz, há maior competição no setor. Independentemente disso, a decisão da intercambialidade foi tomada agregada numa outra de intensificação do monitoramento do mercado, a partir da divulgação dessa lista. E esse monitoramento está sendo feito, mas as conclusões ainda não as temos, porque a lista começou a ser divulgada dia 2 de janeiro deste ano. Qualquer conclusão é prematura.

Guia • O senhor diz que por hora faz uma gestão interina na Anvisa. Mas tem o desejo de ficar? Quando deve sair a decisão final de quem assumirá o cargo de forma efetiva?
Oliveira • A decisão de quem ocupa ou não a presidência não é uma questão importante. A Anvisa funciona por intermédio de uma diretoria. Essa diretoria sendo qualificada reflete no bom funcionamento. O tempo em que isso vai ser decidido ou não é o tempo do ministro da Saúde e da presidente da República. Independentemente de quando essa decisão virá ou não, a Anvisa está desempenhando as funções dela normalmente com as reuniões e processos caminhando normalmente, graças à qualificação da diretoria.

Guia • Nos últimos anos, a pressão da indústria farmacêutica foi enorme em torno da Anvisa, com interesses que às vezes não condizem com o bem-estar público. O senhor está preparado para administrar essa crescente pressão?
Oliveira • Na verdade, a conotação que se dá para as demandas que são geradas pelos setores farmacêuticos ou pela sociedade é de pressão, mas elas não são pressão necessariamente. São muitas vezes demandas legítimas, vindas até de pacientes, do governo e de entidades profissionais. A Agência tem de ser permeável a todo tipo de demanda. E permeável no sentido de ser aberta a fim de que esses tipos de propostas cheguem e para que essas demandas sejam qualificadas, e não se perca tempo com coisas que não tenham base técnica de discussão. O trabalho de todo o corpo diretivo da Agência é criar a permeabilidade e a classificação da demanda. A Anvisa tem uma missão institucional que não pode ser tida como difícil porque existem esses pedidos. Mas a missão da Anvisa é clara: é uma agência pautada por qualidade de produtos que entram no mercado e a obrigação é garantir qualidade e segurança desses produtos para a população. Qualquer demanda que ultrapasse essa linha não pode ser acatada pela entidade. Por isso, a dificuldade que se imagina no gerenciamento dessas demandas não é tão monstruosa.

Guia • O senhor fala em tornar a Anvisa “permeável” como grande missão da Agência em 2015. Mas como isso vai se dar na prática?
Oliveira • Ela já vem criando essa permeabilidade de várias formas. O que é fundamental em qualquer instituição pública – e na Anvisa não é diferente – é transparência. Quanto mais escancarada a Agência, onde todo mundo conhece os processos de decisão, sabe como são feitas as normas e como são tomadas as decisões, isto consolida uma pressão social sobre a Anvisa que faz com que ela consiga se transformar permanentemente e possa dar respostas para uma sociedade que se transforma de forma constante. Não adianta você colocar uma conformação agora na Agência, porque daqui a cinco anos não será mais a mesma. Então, quanto mais você conseguir escancarar a Anvisa, melhor. 

Guia • Parece bem interessante na teoria… Mas na prática, o que vai ou já está sendo feito de concreto para tanto?
Oliveira • Passos para isso já foram dados. Reuniões públicas da diretoria colegiada, transmissão pela internet, possibilidade de manifestação dentro da diretoria, colocação dos prazos da Agência na internet, consultas públicas de Resoluções da Diretoria Colegiada (RDCs), etc. Isso precisa ser um processo contínuo e ser escancarado. Outro movimento que é importante acontecer também é tracionar toda a atividade de agência para o pós-mercado e abandonar tudo que for possível do pré-mercado.

Guia • O que isso significa?
Oliveira • Significa compartilhamento de responsabilidade. Ou seja, eu não preciso ficar olhando o que vocês sabem o que tem de ser feito e posso concentrar meus esforços em monitorar para ver se os setores estão de fato cumprindo as normas. É muito mais do que ficar olhando papelada. Para isso, passos estão sendo dados também. Essa rede de laboratórios que pode fazer análise fiscal, se conseguirmos ampliar, é um passo importante para isso. No setor de cosméticos, por exemplo, esse passo foi dado porque o próprio mercado deu segurança para a Agência de que segue boas práticas de forma homogênea, que não dá problema, etc. Então, esse movimento do pré-mercado para o pós-mercado tem de ser feito também com medicamentos. Vai facilitar a introdução de novos produtos, vai possibilitar a chegada deles com mais rapidez para o consumidor, etc. Tudo isso sem perder o controle. Porque é importante a agência sanitária ter esse tipo de controle. E outro pilar fundamental é que a Anvisa ganhe cada vez mais expressão em termos regionais e mundiais. 

Guia • O que de bom isso pode trazer a mais para o Brasil?
Oliveira • O Brasil é um mercado produtor gigantesco, é uma plataforma de exportação para a América Latina inteira e o mercado consumidor interno tem crescido cada vez mais. Então, o País precisa investir muito nessas parcerias com outras agências, porque ele tem a possibilidade de fazer isso e é uma tendência absolutamente inevitável. É uma onda que a gente tem de surfar. O perfil dos nossos funcionários, principalmente na área de gestão, precisa se aproximar cada vez mais dos executivos que existem no setor privado. Eles têm de ser cobrados por resultados. Dependendo do nível de gestão que possui dentro da agência, pode esquecer, porque não vai trabalhar oito horas por dia. Vai trabalhar catorze ou quinze horas. O profissional que está ocupando uma posição desse porte tem de fazer isso, porque se não fizer, não dá conta do recado.

Autor: Rodrigo Rodrigues

Trabalho integrado

Edição 268 - 2015-03-01 Trabalho integrado

Essa matéria faz parte da Edição 268 da Revista Guia da Farmácia.

Deixe um comentário