BR Pharma enfrenta dificuldades e pode ser vendida para estrangeiros

Dificuldades da BR Pharma, a terceira maior bandeira do varejo farmacêutico, coloca a companhia em uma encruzilhada desde sua criação e eleva as hipóteses sobre a venda da empresa para estrangeiros

Ex-menina os olhos do mercado varejista de farmácia em virtude da ascensão meteórica e a compra desenfreada de grandes concorrentes, a Brasil Pharma passa atualmente pelo momento mais delicado desde quando começou a ganhar corpo como grande player do mercado, em 2005.

Atolada em maus indicadores e dívidas, a rede comandada pelo Banco BTG Pactual não tem conseguido extrair bons resultados das redes que abocanhou no mercado e, cada vez mais, alimenta rumores de uma possível venda de parte de seus ativos para concorrentes ou a completa negociação da rede com a megabandeira norte-americana Walgreens.

Terceira maior rede de farmácias do Brasil, a BR Pharma comanda atualmente bandeiras, como Big Ben, Farmácias Sant’Ana, Rosário, Farmais e Mais Econômica. São cerca de 1.200 lojas espalhadas principalmente na região Norte e Nordeste, que geram um faturamento líquido de R$ 3,25 bilhões por ano para a empresa.

Entretanto, no terceiro trimestre de 2014, a companhia, que tem capital aberto na Bolsa Valores de São Paulo (Bovespa), registrou prejuízo acumulado de R$ 92,5 milhões (os resultados finais de 2014 sairão no dia 25 de março e o fechamento desta edição ocorreu no dia 23), mesmo com o aumento das vendas brutas em cerca de 6,6% no mesmo período.

No apagar das luzes de 2014, a empresa anunciou um empréstimo junto ao Bradesco de R$ 35 milhões, na oitava operação de financiamento por meio de crédito daquele ano. Entre dezembro e janeiro último, a BR Pharma adquiriu R$ 323,8 milhões em empréstimos para reforço de caixa, somando-se a outros R$ 400 milhões aplicados pelo BTG Pactual no mesmo período para socorrer a empresa.

Em setembro de 2014, a posição total de dívida era de R$ 625,5 milhões, composta por R$ 532,5 milhões em empréstimos e financiamentos, além dos R$ 92,5 milhões em contas a pagar de parcelas futuras de aquisições.

A dívida líquida da empresa somava R$ 588,2 milhões, para um valor de lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação (Ebitda, na sigla em inglês) negativo de R$ 13,2 milhões.


Diagnóstico imprevisto

No fechamento do terceiro trimestre, a empresa alegou que o prejuízo acumulado desde o início do ano passado era resultado do enfraquecimento da demanda no País, influenciado pela queda na confiança dos consumidores brasileiros.

Porém, a justificativa não passa muito por aí, já que os dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) apontam que as 29 redes que pertencem à entidade tiveram crescimento médio de 12,81% em 2014, praticamente o dobro do registrado pela BR Pharma.

“A crise da BR Pharma é um misto de erros estratégicos e operacionais. A empresa vem sangrando há vários trimestres seguidos sem conseguir uma reviravolta na rentabilidade de lojas, como a Mais Econômica, por exemplo, que tem baixo retorno até agora, além de ter dificuldades de integração da Big Ben com as demais lojas da rede. A Big Ben oferece o maior faturamento médio por loja da BR Pharma e, três anos depois do fechamento do negócio, ainda não há uma integração total de sistemas, o que faz com que a rede funcione praticamente como organismo separado dentro da estrutura. Somam-se a isso as dificuldades de governança do ex-dono da Big Ben, Raul Aguilera – que ainda comanda a bandeira –, e temos então um problema operacional sério para a empresa”, avalia o analista financeiro do setor de healthcare da Fator Corretora – que acompanha os passos diários da empresa –,
Caio Moreira.

Devido a essa situação, informações que circulam no mercado dão conta de que a Brasil Pharma e o Banco BTG Pactual começaram uma nova sondagem do mercado, na tentativa de oferecerem parte dos ativos para concorrentes. Segundo publicação do jornal Valor Econômico, a empresa passou a ofertar aos grupos rivais algumas das redes adquiridas ao longo dos últimos anos, na tentativa de equilibrar as contas da companhia e começar a operar no azul, em virtude, principalmente, do atual contexto da crise econômica no Brasil.

A intenção inicial era oferecer aos concorrentes apenas as lojas da rede Mais Econômica, que tem cerca de 180 lojas na região sul do País. Mas devido ao baixo interesse do mercado por esses ativos, a empresa teria aberto a possibilidade de também ofertar no pacote a Big Ben, que tem cerca de 250 pontos de venda nas regiões Norte e Nordeste.

O problema no negócio, porém, resvala justamente na falta de interesse do mercado em adquirir a Big Ben atrelada à Mais Econômica e os problemas impostos pela família Aguilera, que ainda comanda a rede.

A separação da BR Pharma e a rede da família Aguilera não seria complicada, visto que a mesma ainda não se unificou totalmente aos sistemas operacionais do grupo. A Big Ben representa uma parte significativa das despesas da controladora, em virtude da aquisição que ainda não foi saldada completamente. A rede também possuí estrutura administrativa independente, gerando, portanto, ainda mais despesas para a controladora.

A rede dos Aguilera, contudo, oferece o maior percentual de rentabilidade por loja da BR Pharma e, desta forma, traria um desequilíbrio para o resto do negócio. A Mais Econômica, por sua vez, exigiu grande investimento na unificação de sistemas, já que boa parcela das lojas no Rio Grande do Sul não tinham sistemas informatizados de controle. A integração completa da rede só foi concluída em junho de 2014 e, a partir daí, viu-se que o retorno e os estímulos dados para o crescimento dessa parte do negócio não estão correspondendo.

“No ímpeto de formar uma grande rede, a BR Pharma adquiriu bandeiras com graus bem diferentes de desenvolvimento, que obrigou a empresa a fazer investimentos, contratar funcionários e elevar, consequentemente, as despesas. Justamente na contramão que uma integração de operações pressupõem”, lembra o analista de healthcare da Fator Corretora, Thomas Benson.

Nesse cenário, soma-se ao calvário da companhia, a decisão errada de ter iniciado em 2013 o incentivo às vendas de medicamento de marca, levando à compra exagerada desses produtos e diminuindo as vendas de genéricos. Um cenário desastroso, que mergulhou a empresa ainda mais na crise.

Mesmo os menores empresários do varejo farmacêutico sabem que medicamentos genéricos são os que possibilitam maiores margens de lucro hoje para os farmacistas. Ao iniciar o programa de “Ruptura Zero”, indo na contramão do mercado, a BR Pharma viu o peso dos genéricos diminuir na conta geral das vendas e, consequentemente, um achatamento das margens operacionais.

Com o estoque alto de medicamentos de marca, liquidar os produtos com ofertas antes do vencimento e oferecer incentivo de venda para desovar e não ter prejuízos agudos também ajudaram a derrubar ainda mais o lucro bruto da companhia que, trimestre atrás de trimestre, viu as margens diminuírem consideravelmente.

Pintado o cenário, na análise do mercado, restam apenas duas saídas para resolver a crise interna da companhia: desfazer-se de parte dos ativos ou ganhar um novo aporte de recursos do banco controlador, o BTG Pactual.

“A BR Pharma é a terceira maior Rede de Farmácias do País, controlada por um banco e, portanto, criada para gerar lucros. Se o conselho conseguir o valor estipulado, vão vender. Não para resolver problemas, mas para aumentar o lucro”, opina o consultor e diretor-geral da Desenvolva Consultoria e Treinamento, Marcelo Cristian.

As sondagens do mercado dizem que a BR Pharma tem conversas adiantadas com a bandeira Extrafarma, que pertence ao Grupo Ultra – da rede de postos de gasolina Ipiranga – e também com a Walgreens, a gigante americana.

Procurada, a BR Pharma nega que esteja em tratativa com qualquer empresa nesse sentido. Para esclarecer o mercado em relação à questão, a varejista emitiu apenas um comunicado de duas linhas sobre o assunto: “Com relação ao questionamento, a companhia nega que haja qualquer negociação relacionada à venda de suas redes de farmácia, nada tendo a declarar nesse sentido”, adverte o documento.


Histórico de sondagens

Desde a formação da BR Pharma, especula-se que a intenção do BTG Pactual era a formação de uma rede que fosse atrativa para um grande investidor, já que o negócio foco de um banco nunca foi a operação no varejo, mas sim a realização de lucro numa grande operação. Para o professor do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Educação Continuada (CPDEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rodnei Domingues, a hora parece que pode ter chegado.

“O contexto econômico brasileiro mudou muito nos últimos meses. A alta do dólar passou a favorecer as redes estrangeiras a adquirir empresas nacionais, mas as perspectivas negativas divulgadas por algumas agências de riscos internacionais podem motivar esses investidores a adiar seus planos. Todas as notícias relacionadas à possível entrada da Walgreens no mercado brasileiro divulgadas no ano passado não foram confirmadas. Porém, no cenário internacional, o Brasil é um mercado atraente para grandes redes, isto devido principalmente a dois bons motivos: o potencial de crescimento e a segurança que o mercado brasileiro oferece, que ainda é superior aos demais países em desenvolvimento, e também ao número de lojas independentes que o País ainda tem”, analisa Domingues.

Num contexto internacional, um sinalizador de que o negócio com a Walgreens pode se concretizar finalmente diz respeito à saturação do mercado dos Estados Unidos para expansão e também à presença da CVS no País, com a compra da Onofre.

Rumores do mercado dizem, inclusive, que a CVS negocia a compra da Drogaria São Paulo/Pacheco, mergulhando de vez a concorrente da Walgreens no mercado nacional, como se esperava há mais de dois anos.

Informação publicada pela revista Exame no início de janeiro deste ano, afirma que a CVS ofereceu R$ 6 bilhões pela Pacheco/DSP, mas que as famílias controladoras iniciaram tratativas para se aproximarem o quanto mais da casa dos R$ 9 bilhões.

Essas especulações elevam a certeza de que o Brasil é o mercado-alvo desses grandes varejistas internacionais no momento e deve ser a bola da vez para receber investimentos, dizem os especialistas consultados pelo Guia da Farmácia.

“Entre os países em desenvolvimento, o Brasil é que tem o mercado de medicamentos mais atraente. Se compararmos o Brasil com os demais países do grupo dos BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), pode-se constatar que o volume, o potencial de crescimento e a segurança que o mercado brasileiro oferece ainda é superior aos demais países em desenvolvimento. O número de lojas independentes também é muito superior ao das grandes redes. E a maioria dessas lojas é mal administrada, o que permite espaço para as grandes redes crescerem no País”, afirma Domingues.

A opinião é compartilhada pelo consultor Marcelo Cristian. Segundo ele, o mercado brasileiro de farmácias já provou ser bastante resistente às crises agudas do passado e se mantém há vários anos em crescimento acima de dois dígitos, o que torna o País mais atrativo entre os vários mercados do mundo ainda não explorados pelos estrangeiros.

“A Walgreens tem um plano expansionista, iniciado com a compra da Aliance Boots. O Brasil é um excelente mercado, com importantes cidades não aproveitadas pelas grandes redes de farmácias. Com a alta do dólar, o interesse dos estrangeiros na compra de empresas brasileiras aumenta com toda certeza”, aponta o consultor.

Pequenos e independentes?

Com esse iminente desembarque ianque efetivo em solo brasileiro, a pergunta que se faz é como ficará o mercado para os pequenos e médios empresários a partir de uma possível chegada dos dois maiores operadores mundiais do setor?

A resposta, segundo os especialistas ouvidos, é que pouco ou nada deve mudar em curto e médio prazos: “O comércio varejista de medicamentos tende a se tornar mais competitivo, independentemente da entrada ou não da Walgreens. Assim como a CVS está precisando conhecer e se adaptar neste mercado, o mesmo irá acontecer com qualquer outra rede estrangeira que resolver entrar. A maior ameaça para as lojas existentes no Brasil não são as grandes redes estrangeiras que poderão se instalar por aqui, mas sim as lojas bem administradas que já conhecem nossos consumidores, a indústria que atua no País e os distribuidores. E que desejam obter maior participação nesse mercado”, diz Domingues.

Na mesma direção vai a análise do presidente da Associação de Farmacêuticos Proprietários de Farmácias do Brasil (AFPFB) e da rede Farma&Farma, Rinaldo Ferreira. Na visão dele, a entrada massiva do capital estrangeiro no mercado brasileiro de varejo farmacêutico deve trazer mais modernização, mas pouca mobilidade de concentração em curto período.

“A Walgreens ou a CVS devem comprar ativos que já estão em competição no mercado, sem alterar o correlação atual de forças no curto prazo. Mas é possível que uma política de expansão abra mais lojas, embora nada que assuste. O mercado brasileiro tem se mostrado diverso até aqui, prezando também qualidade de serviço, não só preços. Acho que a entrada dessas empresas deve, contudo, impor uma modernização mais acelerada aos concorrentes e até trazer novidades dos Estados Unidos para cá, o que exigirá dos empresários brasileiros mais trabalho e equilíbrio das contas e precificação, mas que, sinceramente, não assusta”, avalia Ferreira.

Enquanto o negócio de fato não é fechado e revelado ao público, as ações da BR Pharma na Bolsa de Valores de São Paulo (BPHA3.SA) sofrem com as expectativas do futuro da empresa, registrando desvalorização de quase 80% desde março de 2014. Um ano atrás, os papéis da empresa eram vendidos a R$ 5,13 e agora, na cotação de 16 de março deste ano, já estavam sendo negociados na Bovespa a R$ 0,79, indicando que talvez tenha chegado a hora do “xeque-mate” da empresa no jogo de xadrez mercadológico. 

Autor: Rodrigo Rodrigues

Varejo estrangeiro

Edição 269 - 2015-04-01 Varejo estrangeiro

Essa matéria faz parte da Edição 269 da Revista Guia da Farmácia.

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