Instabilidade econômica muda hábitos dos consumidores

As mudanças econômicas do País estão mexendo no comportamento do consumidor. Mas ele não vai abandonar hábitos adquiridos nos últimos anos

Com a crise econômica batendo à porta, o consumidor brasileiro teve de rever o padrão de consumo conquistado. O estudo Mudanças no Mercado Brasileiro 2015, da Nielsen, revelou que esse consumidor não está disposto a abandonar seus hábitos. Mas para isso, já está fazendo algumas mudanças nas suas escolhas de consumo.

Até 2010, explica a analista de mercado da Nielsen, Gloria Tittoto, dois grandes motores impulsionavam a variação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro: o consumo interno e os investimentos por parte da indústria.

De 2010 a 2013, a economia começa a se tornar muito dependente, principalmente, do consumo das famílias. E todo esse cenário de desaceleração de crescimento acarretou um dos menores investimentos da indústria. Portanto, “não temos estimativa de uma melhora de crescimento de longo prazo, sobretudo porque a nossa população, nossa força de trabalho é pouco qualificada e nós não temos uma infraestrutura desenvolvida no País”.

A razão pela qual a dependência no consumo é negativa já se mostra evidente: o endividamento. Ainda que a renda média das famílias continue crescendo, esta renda está comprometida com o pagamento de dívidas. O estudo da Nielsen mostra que 13% dos brasileiros já passaram a economizar para pagar contas atrasadas. “Então, temos uma inflação que sai do décimo lugar do ranking de preocupações do brasileiro e vai para o segundo lugar”, enfatiza Gloria. E com razão. A previsão de inflação para 2015 está em 7,93%.

E não apenas fatores macroeconômicos ameaçam o controle da inflação, a crise hídrica, por exemplo, pode afetar a irrigação e o processo produtivo, impactando no preço das categorias de consumo não duráveis. “O consumo de água impacta no processo produtivo como um todo, então temos um aumento nas categorias. Apesar de estarmos falando de crise hídrica, não conseguimos mensurar o impacto de preço e oferta de produtos”, lembra Gloria.


Crise é oportunidade

Ainda que o cenário seja de desaceleração, o consumo de bens primários, como alimentos e medicamentos, apresentou uma variação positiva de 12% no último ano. Gloria salienta que o consumidor brasileiro preza muito pela saúde e pela qualidade de vida.

Na comparação da média dos consumidores da América Latina, por exemplo, o Brasil se destaca na valorização de saúde, bem-estar e qualidade de vida acima da média. Nos últimos anos, eles conquistaram novos patamares, adquirindo categorias de produtos que não tinham oportunidade de consumir antes. Para não perder essa conquista, o brasileiro pensa em deixar de consumir fora do lar para prezar pelo abastecimento do domicílio.

Segundo Gloria, 64% dos consumidores afirmaram que vão diminuir o lazer fora de casa para poder economizar, vão deixar o abastecimento do lar para ser um dos últimos pilares afetados no aumento de racionalização de gastos. “É por isso que vemos esse aumento da variação do gasto primário”, complementa a analista de mercado da Nielsen, Mayane Soares.

Pensar melhor sobre os hábitos de compra faz com que o consumidor mude algumas decisões. E isso não implica apenas nas categorias que vão entrar na cesta, mas também no canal e na frequência da compra. “Diante desse cenário, observamos que as famílias brasileiras passam a mudar os hábitos de compra, já que elas estão com o bolso um pouco mais apertado. Vemos que os shoppers começam cada vez mais a diversificar os canais, e eles têm acesso a canais diferentes.”

Em 2006, consumidor frequentava em média três canais para realizar suas compras, em 2014, este número foi para 4,5.

Nesse processo, os consumidores diminuíram a ida ao ponto de venda e, a cada ida, passaram a gastar um pouco mais. Em 2014, houve uma queda de 4,7% no número de visitas ao ponto de venda, com aumento do tíquete médio em 5,6% a cada visita, ou seja, as compras estão sendo mais planejadas.

Para Mayane, esse é o desafio do varejista. Se o consumidor vai menos até ele, o varejista precisa otimizar as suas vendas. “O que não podemos deixar de olhar é quais estratégias precisam ser bem planejadas e bem estruturadas para nos destacarmos em meio a esses desafios.”

Mayane separou esses desafios em dois grandes blocos. O primeiro é o da diversificação de canais e regiões, já que o consumidor cada vez mais modifica o modo de como ele vai ao ponto de venda e as compras que ele realiza; e existem regiões superaproveitadas no País, um dos pontos mais abordados no ano passado e que volta agora é o fato do interior crescer a taxas mais altas do que as capitais.

O segundo bloco é a excelência na execução, de ficar atento onde se está (sejam canais ou regiões), quais são as ações de acordo com as categorias em que os fabricantes atuam e qual tipo de loja que os varejistas têm.

Na previsão para 2015 da Nielsen, a renda varia na mesma proporção de 2014, no mesmo patamar de crescimento, mas o cenário macroeconômico está impactando em uma proporção ainda mais negativa, ou seja, para 2015, o papel de execução vai ser ainda mais fundamental.

“Estamos falando de um ano em que existem canais menores ganhando importância, então a execução dentro deles é ainda um desafio maior, porque não cabe um sortimento tão grande, a disputa pelo espaço da loja é maior”, aponta Gloria.

O importante na execução são as categorias de atuação, porque as estratégias de execução não são verdade absoluta para todo mercado. A execução precisa ser ajustada por canal, por categoria, por consumidor.

Existe toda uma estratégia clara que precisa ser definida. No reagrupamento feito pela Nielsen para detalhar a importância da execução, quando se fala do grupo de benefício promocional (grupo altamente dependente de promoção, composto de xampu, creme dental, escova dental…), a importância de promoções para essa categoria é mais do que o dobro de importância nos demais grupos.

Temos também o grupo de abastecimento, em que as embalagens econômicas ganham muita importância. “O consumidor sabe que ele tem um desembolso maior de dinheiro na hora de pagar o produto com embalagem maior, mas ele tem a vantagem de estar pagando menos”, diz Mayane.

O grupo de benefícios promocionais desenvolveu muito o segmento high tier (premium), ou seja, marcas de alto valor agregado. Isso aconteceu principalmente devido aos promopacks. A importância do high tier para esse grupo é de 42% diante 36% para a média dos outros grupos. De todos, foi o grupo que conseguiu se desempenhar melhor na promoção de sofisticação. No entanto, com tantas promoções, o consumidor passa a perder a percepção de preço.

Gloria explica que, em média, 14% de tudo o que o consumidor compra é de promoção. Mas, em 2014, esse número passou para 12,7%. Ou seja, muitas vezes, o consumidor nem percebe mais que ele está comprando um promopack, pois, para ele, aquele já é o preço regular.

“Então o que queremos deixar de principal recomendação para esse grupo é o quão importante é aos fabricantes e varejistas determinarem essa definição de promoção. Quais promopacks devo ter na loja, quais causam o maior impacto, o que, de fato, afeta a percepção do consumidor na questão de promoção.” Portanto, toda ação de preço precisa ser bem definida, bem monitorada, para que se tenha mais lucratividade e, de fato, se obtenha o crescimento que se busca.

E mais difícil do que começar a crescer é manter o crescimento. Por isso, os varejistas precisam buscar um equilíbrio nas ações de curto prazo e nas de longo prazo, ganhando a confiança do consumidor, fidelizando e garantindo o crescimento por mais tempo.

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Na memória deles

O consumidor não é só consumidor da porta para dentro, ele precisa se lembrar da sua marca e de sua loja da porta para fora. Para gerar fidelização, é preciso olhar para os investimentos e pensar no ambiente virtual. “Então o grande desafio é chegar a esse equilíbrio, não olhar só ações de in store, mas também pensar que é preciso fazer a construção da minha marca, trazer a comunicação e o posicionamento muito claro para que o consumidor se lembre de mim. Na hora em que ele entrar na loja, que ele já tenha minha marca na cabeça e seja ativado por todas as ações que já mostramos”, explica Mayane.

Portanto, não se pode deixar de pensar na execução. Se ela foi decisiva em 2014, com o cenário de crise atual, ela será ainda mais decisiva em 2015. O levantamento e precisão nas ações são essenciais, então, mais uma vez, pensando em um cenário econômico desfavorável, as ações precisam ser assertivas para que não se coloque investimento onde não é relevante, não exista uma alavanca de crescimento. “E, principalmente, as ações compartilhadas do varejo e indústria, quando o fabricante e o varejo entram em um interesse em comum, conseguem traçar estratégias focadas, um planejamento que tenha ações positivas que tragam um resultado ainda melhor, isso é muito importante.”

Por outro lado, pensar na construção da marca, principalmente o posicionamento, a mensagem que você passa com ela. O equilíbrio entre as ações, pensando na balança e no crescimento sustentável; as duas alavancas, os dois pilares, precisam andar juntos. Os investimentos não podem ser pesados só de um lado da balança. E, por último, pensar nas ações de construção de marca com qualidade e eficiência. Pensando em quem é o consumidor, qual é o shopper, a comunicação alinhada e, também, nos investimentos. 


Autor: Claudia Manzzano

O que vai para a Cesta?

Edição 271 - 2015-06-01 O que vai para a Cesta?

Essa matéria faz parte da Edição 271 da Revista Guia da Farmácia.

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