Crise gera temores sobre cortes no “Aqui tem Farmácia Popular”

Ajuste fiscal promovido pelo governo gera temores sobre possíveis cortes no programa “Aqui tem Farmácia Popular”; Ministério da Saúde nega redução e garante orçamento, mas mercado pede sinais mais efetivos de um posicionamento claro

Em meio do maior ajuste fiscal promovido pelo governo federal desde os maus tempos de Fernando Henrique Cardoso e suas sucessivas crises econômicas, uma preocupação começou a sondar o mercado de varejo farmacêutico brasileiro: os cortes promovidos pela equipe ministerial de Dilma Rousseff preservarão o orçamento do programa “Aqui tem Farmácia Popular”?

Presente em torno de 34,5 mil farmácias de todo o País, o programa de venda de medicamentos gratuitos na rede particular é uma das maiores parcerias com o mercado varejista de farmácia registradas no País. Segundo dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), o “Aqui tem Farmácia Popular” gerou receita anual de R$ 584,1 milhões às 29 grandes redes de farmácia que pertencem à entidade, no ano passado.

O número foi 13,4% maior que em 2013 e mostra que o programa tem ganhado importância para a composição das vendas dos varejistas de todo o País. Em 2014, o orçamento anual do programa federal foi de R$ 2,5 bilhões. Neste ano, caso não haja cortes, o Ministério da Saúde planeja gastar R$ 2,8 bilhões nas unidades de farmácia particulares e também nas redes próprias do governo espalhadas pelo Brasil.

“Apesar do programa representar cerca de 8% de tudo que é faturado pelas farmácias do País, a preocupação nesse momento é se haverá redução da oferta de medicamentos ou lentidão e atraso no repasse das receitas de vendas às farmácias”, afirma o presidente da Associação dos Farmacêuticos Proprietários de Farmácia do Brasil (AFPFB) e também do Grupo Farma & Farma, Rinaldo Ferreira.

Segundo a Abrafarma, no ano passado, o “Aqui tem Farmácia Popular” levou às lojas das grandes bandeiras brasileiras cerca de 22,8 milhões de clientes. Nos cálculos do governo, foram mais de 18,5 milhões de brasileiros atendidos em todas as farmácias do País, contando as independentes e pequenas bandeiras participantes do programa.

O que preocupa?

O temor do mercado, de acordo com o professor de marketing e gestão de pontos de venda do curso de MBA do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Educação Continuada (Cpdec) – ligado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – e diretor da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), o empresário Rogério Lopes Júnior, está justamente na diminuição do fluxo de clientes nas lojas. “O programa ganhou importância estratégica porque, ao levar o cliente para dentro da loja, ajuda na compra por impulso. Às vezes, o comprador vai só para adquirir aquele medicamento para pressão, mas também acaba levando um sabonete, um xampu ou algum outro item que faltava em casa. Nesse ponto, a preocupação é de o programa propor dificuldades para a compra, impondo mais normas além das que já existem, fazendo um corte branco que afaste os compradores das lojas”, aponta Lopes Júnior.

Os cortes orçamentários do governo federal, neste ano, somam R$ 69 bilhões, segundo o projeto enviado ao Congresso Nacional pela equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O projeto já começou a ser votado na Câmara e no Senado. Só o Ministério da Saúde teve um corte estimado de R$ 11,7 bilhões.

O próprio ministro Levy e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, apressaram-se em dizer que a verba dos programas sociais do governo estão asseguradas, mesmo com o ajuste.

Os dois ministros citaram em entrevistas os programas “Minha Casa, Minha Vida”, “Bolsa Família”, “Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)” e “Programa Universidade para Todos (Prouni)”, sem lembrarem uma única vez dos programas vinculados ao Ministério da Saúde nas coletivas.

A ausência do “Aqui tem Farmácia Popular” no noticiário elevou o alerta do mercado em relação a possíveis cortes no programa. “O governo diz que não, mas, no Brasil, já existe há tempos a cultura política de negar o problema para depois fazer aquilo que se dizia que não faria”, comenta Ferreira.

“O Ministério da Saúde e o governo federal precisam emitir sinais mais claros e contundentes para a população e os varejistas de que o “Aqui tem Farmácia Popular” continuará na mesma rota nestes tempos de contingenciamento. O programa adquiriu uma importância fundamental para os farmacistas e não se pode passar o ano sob insegurança”, avalia o gestor geral do Grupo Farma, rede mineira com mais de 64 lojas espalhadas pelo estado, Cleiton Blandin.

Para apaziguar os ânimos do mercado, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, declarou, no último dia 25 de maio, que os cortes orçamentários não afetarão os programas sociais da pasta dele, citando nominalmente o “Aqui tem Farmácia Popular” e o “Mais Médicos”.

Entretanto, o tom pessimista do ministro continua não agradando ao mercado, que cobra uma reunião com o setor para dar garantias mais efetivas aos varejistas. “Será um ano difícil, naturalmente, porque é necessário um ajuste na economia. Mas nós daremos nossa contribuição sem afetar o atendimento, sem afetar qualquer prioridade. Os programas que são prioridade estão totalmente preservados. Isso (o corte no orçamento) não comprometerá o funcionamento do sistema”, afirmou Chioro, ao participar da inauguração da reforma e ampliação da Unidade Básica de Saúde de Arrozal, no município de Piraí, a 97 quilômetros do Rio de Janeiro.

Decisões não definidas

No meio desse imbróglio, chama a atenção até aqui a ausência das reuniões que acontecem periodicamente do comitê consultivo do Ministério da Saúde para o programa Farmácia Popular. O comitê é formado por representantes do mercado varejista e do governo, mas passado um semestre inteiro, ainda não se reuniu neste ano para falar de possíveis cortes ou não no programa, além de tratar de entraves e melhorias do mesmo.

Membro do comitê, o presidente da Febrafar, Edison Tamascia, minimiza o problema, embora assuma que não houve reuniões do grupo até agora em Brasília.

“Não houve reunião do comitê este ano e não houve nenhuma manifestação a respeito do assunto [do ministro]. Se houve, eu desconheço. Quem está tentando assustar o setor são vocês [jornalistas]. Se não houve manifestação, tudo que se disser é tentativa de adivinhação. Portanto, se não sabemos, é melhor ficarmos quietos”, comenta o executivo.

O presidente da Febrafar ainda manda um recado para aqueles que o mercado convencionou chamar de “profetas do apocalipse”, que falam em desaquecimento e quedas das vendas no setor neste ano: “É um temor desproporcional. Tem de parar de falar de crise. Nosso segmento cresceu 11% no primeiro trimestre deste ano, portanto, não há crise. O desempenho anual está em 8%, índice alto quando comparado à média mundial”, afirma Tamascia.


Posição atual

Por meio de nota, o Ministério da Saúde reafirmou ao Guia da Farmácia o compromisso de não fazer cortes no programa “Aqui tem Farmácia Popular” neste ano: “Após o ajuste, o Ministério da Saúde foi contemplado com um limite de empenho da ordem de R$ 91,5 bilhões, semelhante ao Projeto de Lei Orçamentária (Ploa 2015) e, com adicional de R$ 3 bilhões acima do piso constitucional. Os valores atendem rigorosamente ao estipulado pela Emenda Constitucional 29, de que os estados e o Distrito Federal devem investir 12% de sua receita própria, municípios devem aplicar o mínimo de 15% e a União deve aplicar o valor destinado no ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB)”, afirma o documento.

O Ministério da Saúde também afirma que as ações e os serviços públicos de Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) estão inteiramente preservados e vêm sendo executados conforme planejamento feito ano passado: “Mantêm-se os recursos para estados e municípios programados para este ano, que garantem o atendimento da população pelo SUS; o Programa Mais Médicos; o Programa de Vacinação; a Assistência Farmacêutica, incluindo o programa Farmácia Popular; e a Atenção Básica à Saúde”, declara a nota do órgão.

Pelo sim ou pelo não, o mercado ainda espera mais estreitamento nas relações entre o governo e os varejistas, para afastar de vez as ameaças e os temores: “Cobrar transparência, atenção e proximidade do governo num assunto tão sensível é obrigação de quem defende os interesses dos varejistas independentes”, diz Ferreira

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Autor: Rodrigo Rodrigues

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Edição 272 - 2015-07-01 Rastreabilidade

Essa matéria faz parte da Edição 272 da Revista Guia da Farmácia.

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