Incômodo constante

A dor é uma doença silenciosa e está entre as dez que mais matam no mundo. Os sintomas estão no cotidiano e é essencial saber a diferença entre a dor crônica e a aguda para buscar o tratamento

Sentir qualquer tipo de dor, por menor que ela seja, já é motivo suficiente para tirar o bom humor de qualquer pessoa. E dependendo do local que dói, a rotina da vida cotidiana fica prejudicada, e até a mais fácil das tarefas se torna um obstáculo a ser ultrapassado até que a pessoa deixe de realizar ações simples e cesse o convívio social.

Não é raro que esses episódios se repitam com frequência, porém, sentir dor por um longo período pode fazer com que a pessoa se torne incapaz. Por esse motivo que, apesar de muitos pensarem da mesma maneira, sentir dor não é normal.

O que muitos pacientes com dores não sabem é que existem diferentes tipos delas. A dor aguda é recente e serve como sinal de alerta e se torna muito importante para o quadro clínico. Já a dor crônica é aquela que persiste por mais de seis meses; a aguda pode ser controlada e a crônica ainda é um desafio, já que o tratamento é totalmente diferente; ela é física e emocional e afeta por volta de 20% a 30% da população brasileira.

Uma primeira grande demarcação entre os tipos clínicos de dor é a diferenciação entre dor aguda e dor crônica. A dor aguda em geral é acompanhada de manifestações predominantes de ansiedade, e de comportamentos mais específicos em busca de alívio da dor, enquanto a crônica frequentemente está associada a manifestações depressivas e a comportamentos muito mais complexos. A dor aguda, portanto, está cumprindo uma função adaptativa, sendo um poderoso sinal de alarme de que algo não está bem no organismo.

A dor aguda se caracteriza como algo recente e funciona como um alerta, promovendo a cicatrização de qualquer área machucada. Embora ela seja desagradável, promove a sobrevivência. O problema é que a dor aguda pode evoluir para a crônica, ela persiste entre 10% a 50% dos pacientes que se submetem a tratamento cirúrgico, e ocorre em 2% a 20% desses pacientes. As evidências sugerem que o controle inadequado da dor aguda seja a causa de dor crônica.

Já a dor crônica se caracteriza por ser de longa duração, mais de três meses. Geralmente, ela permanece mesmo após o tratamento da sua causa e pode derivar de diversos fatores. Exemplo de dor crônica: dor neuropática diabética, enxaqueca, fibromialgia, entre outras.

As dores crônicas prevalentes na população brasileira não diferem das de outras populações, acrescenta o mestre e doutor em neurocirurgia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e idealizador e coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, Dr. Claudio Fernandes Corrêa.

De uma maneira geral, são as dores neuropáticas, tais como ocorre em neuralgia pós-herpética, polineuropatias periféricas, neuralgia do trigêmeo, dez por cento das lombalgias, nas dores por aumento da nocicepção (recepção de estímulos agressivos), geralmente fruto de processos inflamatórios, como nas artrites, epicondilites, bursites, entesites e as dores mistas, frequentes na doença oncológica, por exemplo.

Desmistificando a dor

Tão importante quanto diagnosticar corretamente a doença de base é lançar mão dos recursos apropriados para controlar a dor, encarando-a como uma doença. Outro aspecto da maior relevância é a possibilidade de a dor ser desencadeada por alguns tipos de tratamento, tais como quimioterapia, radioterapia e alguns tipos de cirurgia.

Muitas vezes, esses tratamentos, por si só, produzem dor moderada ou intensa, que deve ser tratada com a mesma veemência que outras dores crônicas. Hoje em dia, existem vários tipos de medicamentos que combatem a dor. Cabe aos médicos a utilização apropriada desses recursos.

“O tratamento, seja medicamentoso, fisioterápico, acupuntura, deve ser direcionado de acordo com cada tipo de dor, localização, intensidade e duração”, avalia o anestesista e fundador responsável pelo Serviço de Terapia da Dor do Serviço Médico de Anestesia no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Dr. Mauricio Nogueira.

A intensidade da dor, segundo o Dr. Corrêa, é medida por meio de uma fita ou faixa de papel contendo vários tons de uma mesma cor, partindo de uma sequência da mais clara para a mais escura, o paciente aponta qual a cor que representa o seu nível de dor. Essa mesma escala pode ser utilizada com números, que vão de zero a dez, ou mesmo por meio de ilustração de carinhas (do sorriso à careta). Esta última alternativa muito utilizada com crianças. Lembrando, claro, que cada indivíduo sente a intensidade da dor de maneiras diferentes.

Depois de descobrir a intensidade da dor, o profissional explica que as dores neuropáticas podem ser tratadas com terapêutica medicamentosa: anticonvulsivantes, neurolépiticos, antidepressivos, miorrelaxantes, entre outras. Com terapêutica utilizando-se da medicina física [acupuntura, Reeducação Postural Global (RPG), pilates, quiropraxia, yoga, fisioterapia analgésica, etc.], saúde mental (psicoterapia, por exemplo) e terapêutica cirúrgica envolvendo procedimentos neuroaumentativos (neuroestimulação e implante de sistemas de infusão de drogas) e procedimentos ablativos (neurotomias, por exemplo).

As dores por aumento da nocicepcão podem ser tratadas com terapêutica medicamentosa (anti-inflamatórios hormonais e não estereoidais, opiáceos, por exemplo), bloqueios terapêuticos, implante de dispositivos que liberam analgésicos em compartimentos específicos e implante de neuroestimuladores.

Captura de Tela 2015 07 23 as 15.10.11


Duração da dor

As dores por aumento da nocicepção duram pouco tempo, geralmente com a melhora da condição que as desencadeou. Por exemplo, a dor decorrente de cirurgias ortopédicas que costuma ser mais intensa nos primeiros três dias e diminui progressivamente em uma semana. “Assim também como a dor no parto, nos queimados, no infarto agudo do miocárdio, na cólica nefrética (renal), entre outras. Já as dores crônicas, que persistem por mais de três meses, podem durar por tempo indeterminado”, detalha o Dr. Corrêa.

A duração da dor depende primordialmente da eficácia e da rapidez do início do tratamento. Após três a seis meses de tratamento, uma dor aguda não tratada adequadamente pode tornar-se crônica. A dor neoplásica, neuropática pode prolongar-se até o final de vida do paciente, completa o anestesista e fundador responsável pelo Serviço de Terapia da Dor do Serviço Médico de Anestesia no Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Efeito dos analgésicos

Eles são drogas que, de certa forma, ativam o sistema inibidor da dor. Ativam estruturas do sistema nervoso que bloqueiam a percepção do quadro álgico. Nas contraturas musculares, a ação relaxante do músculo contraído é a razão do seu emprego, alerta o Dr. Corrêa.

Cada analgésico, relaxante, antitérmico tem um local adequado de atuação no organismo. Alguns analgésicos têm atuação no nível periférico, outros atuam na medula e outros no nível cerebral. Os relaxantes musculares atuam na musculatura.

A duração do analgésico fica na dependência de cada um na prática diária. “A indicação do analgésico deve ser feita de acordo com o tipo de dor, duração, intensidade, porque existem analgésicos que atingem o pico máximo de ação após 45 a 60 minutos, outros, após três a cinco dias, e alguns adesivos são trocados a cada 12 horas, a cada três dias ou a cada sete dias”, avalia o Dr. Nogueira.

Alguns analgésicos utilizados para tratamento de dor aguda (pós-operatória ou não) são usados por curto espaço de tempo. Algumas patologias (dores crônicas) demandam o uso de analgésicos por tempo prolongado e às vezes até o final de vida dos pacientes.

Ainda com relação ao uso dos medicamentos, o Dr. Nogueira orienta que ele deve ser seguido de acordo com a escada analgésica proposta pela Organização Mundial da Saúde. (OMS):

• Analgésicos fracos – Degrau 1: anti-inflamatórios, dipirona, Tylenol, Lisador e drogas adjuvantes (antidepressivos e anticonvulsivantes), relaxantes musculares.

• Analgésicos moderados – Degrau 2: anti-inflamatórios, opioides fracos (Tylex, Tramal, Ultracet, Nubain), drogas adjuvantes e relaxantes musculares.

• Analgésicos fortes – Degrau 3: anti-inflamatórios, drogas adjuvantes e opioides fortes (morfina, ketamina, metadona, Durogesic, Restiva, Toperma).

• Procedimentos invasivos – Degrau 4.

Autor: Vivian Lourenço   

Rastreabilidade

Edição 272 - 2015-07-01 Rastreabilidade

Essa matéria faz parte da Edição 272 da Revista Guia da Farmácia.

Deixe um comentário