Alteração perigosa

A pressão alta é a grande causadora de doenças cardiovasculares, mas trata-se de um fator de risco modificável, que pode ser combatido com mudanças de hábito  

É difícil encontrar alguém que não conheça uma pessoa próxima que tenha hipertensão. A incidência da doença entre a população mundial é muito alta e, no Brasil, não é diferente. Segundo estimativas divulgadas pela Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), 30% da população adulta brasileira sofre de pressão alta. O problema só piora com o avançar da idade. Entre os idosos do País, a taxa de hipertensão chega a mais de 50%. Engana-se quem pensa que crianças e adolescentes estão ilesos. Atualmente, 5% deles já sofrem com taxas alteradas de pressão arterial.

Mesmo convivendo muito de perto com o fantasma da hipertensão, o brasileiro parece não estar preocupado com a saúde e segue ignorando os fatores de risco que podem levar ao desenvolvimento do problema. O número de brasileiros obesos, por exemplo, cresce ano a ano. Dados divulgados em abril último pelo Ministério da Saúde (MS) mostram que, em 2006, 43% da população estava acima do peso. Hoje, o índice chega a 52,5%. Ou seja, mais da metade dos brasileiros apresenta pelo menos um fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas, como a hipertensão.

O aumento do número de pessoas de mal com a balança pode ser explicado pela falta de atividade física. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 46% da população – um total de 67,2 milhões pessoas – com 18 anos de idade ou mais é sedentária, o que ajuda a agravar o quadro de hipertensos no País. 

Outros maus hábitos, o avanço da idade e características raciais também podem influenciar no descontrole da Pressão Arterial (PA). “Há um importante aumento da prevalência em pessoas acima de 65 anos de idade e em negros (principalmente mulheres). A ingestão excessiva de sal e álcool, tabagismo e fatores socioeconômicos também são causadores da doença”, relata a cardiologista do Centro de Cardiologia do Hospital 9 de Julho, Dra. Beatriz da Silva Costa.

A consequência dessa falta de cuidado com o corpo é perigosa. Todos os anos, 300 mil pessoas morrem no Brasil em decorrência de doenças cardiovasculares, sendo que mais da metade das complicações fatais tem origem na pressão alta. Pelo menos 40% dos infartos e 80% dos Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) ocorrem devido ao descontrole da PA.

Efeitos no organismo 

Por que a hipertensão é tão perigosa e aparece como o principal fator de risco para o desenvolvimento das doenças cardiovasculares? Segundo descreve a Dra. Beatriz, a pressão alta compromete o equilíbrio entre o relaxamento e a contração dos vasos, levando a um aumento da tensão sanguínea, isto é, a força que o sangue exerce sobre as paredes das artérias, sendo capaz de prejudicar a irrigação tecidual e provocar danos aos órgãos irrigados.

Quando o organismo está sob o efeito desse desequilíbrio, inúmeras podem ser as consequências: complicações vasculares (para cada 10 mmHg de elevação da PA o risco vascular se eleva em 28%); Doença Arterial Coronariana Aguda e Crônica (DAC); Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC); Hipertrofia do Ventrículo Esquerdo (HVE); AVC Isquêmico e Hemorrágico; Insuficiência Renal Crônica; e Hipertensão Maligna.

Como prevenir e tratar 

A hipertensão é considerada um dos principais fatores de risco modificáveis. Hereditariedade e idade avançada são fatores que não podem ser trabalhados, mas há diversos outros agentes da doença que, se evitados, podem reduzir – e muito – a chance de desenvolvimento do problema. Antes de ser obrigado a procurar um médico e passar a ter de se medicar diariamente, há uma série de comportamentos que pode ser adotada por uma pessoa que deseja frear os riscos de se tornar um doente crônico. “A prevenção primária e a detecção precoce são as formas mais efetivas de evitar as doenças e devem ser metas prioritárias dos profissionais de saúde”, acredita a Dra. Beatriz. 

Segundo a nefrologista membro da SBH, Dra. Frida Liane Plavnik, para evitar a hipertensão, é preciso tomar medidas gerais de reeducação, também conhecidas como modificações no estilo de vida. A mudança de hábitos é necessária, principalmente, em indivíduos com PA limítrofe (PA < 140/90 mmHg).

Entre as novas atitudes, devem estar: medição regular da PA, alimentação saudável, prática de atividade física pelo menos cinco dias por semana, manutenção de peso adequado, diminuição do consumo de bebidas alcoólicas, não fumar e controle do estresse (nervosismo). “Tente administrar seus problemas de uma maneira mais tranquila. A arte de viver bem é enfrentar os problemas do dia a dia com sabedoria e tranquilidade”, aconselha a Dra. Frida.

As baixas taxas de conhecimento a respeito dos fatores de risco e da possibilidade de controle tornam a hipertensão uma doença de alto custo socioeconômico, aumentando a cada ano o número de pessoas hipertensas. Para reverter o avanço desse quadro perigoso, é mais fácil que os hábitos saudáveis sejam estimulados desde a infância e adolescência. “O governo investe em algumas políticas públicas, como o programa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), mas a iniciativa deve começar dentro de casa, nos meios de convivência da criança”, afirma a nutricionista e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Alimentação de Nutrição (Sban), Dra. Roberta S.L. Cassani.

O farmacêutico pode ajudar na prevenção e no controle ?

O procedimento de aferição da Pressão Arterial (PA) pode ser realizado por todos os profissionais da área de saúde habilitados para tal. No entanto, apesar do procedimento ser simples, existem algumas particularidades que precisam ser respeitadas. É importante que todos os profissionais de saúde tenham conhecimento das técnicas padronizadas para a ação. Os mesmos devem ser treinados e certificados como aptos a realizar a medição e periodicamente reavaliados para confirmar a adequação de como a PA está sendo avaliada.

Da mesma forma, o local onde a medida de pressão será feita deve respeitar algumas exigências. Há necessidade de uma sala separada onde o paciente possa permanecer em repouso por no mínimo de três a cinco minutos e que o ambiente não sofra interferência de sons externos. Não é correto fazer a medida em condições ambientais diferentes da situação exposta acima.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH) afirma que não é contrária à medida de pressão na farmácia, desde que o profissional responsável por tal procedimento seja devidamente treinado e certificado. A instituição tem, inclusive, disponível material educativo para profissionais da saúde e pode promover treinamento, quando solicitado.

O sódio é vilão?

De acordo com a nutricionista e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Alimentação de Nutrição (Sban), Dra. Roberta S.L. Cassani, não é adequado apontar um alimento como um único responsável pela hipertensão. O desenvolvimento da doenças pode estar relacionado a vários fatores, incluindo um padrão alimentar ruim, que, além do excesso de sal, pode envolver outros erros.

A Sban recomenda o consumo diário de, no máximo, dois gramas de sódio – o que equivale a cinco gramas de sal – por dia, mas há várias outras mudanças no padrão dietético que devem ser adotadas. A nefrologista membro da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), Dra. Frida Liane Plavnik, lista algumas delas. 

É importante orientar aos pacientes da farmácia que:

Evitem: açúcares e doces, derivados de leite na forma integral, carnes vermelhas com gordura aparente e vísceras, temperos prontos, alimentos industrializados que vêm em latas ou vidros, alimentos processados, como embutidos, conservas e enlatados.

Prefiram: alimentos cozidos, assados, grelhados ou refogados, temperos naturais, como limão, ervas, alho, cebola, salsa e cebolinha, frutas, verduras e legumes, produtos lácteos desnatados.

Terapia medicamentosa

A menos que haja uma necessidade evidente para uso de medicamentos imediato, como no caso de pacientes com níveis de PA acima de 180/110 mmHg, a maioria dos pacientes, primeiramente, deve ter oportunidade de tentar reduzir a PA por meio de tratamento não farmacológico, a partir das modificações no estilo de vida citados anteriormente. 

No entanto, uma vez já instalada a hipertensão, medidas farmacológicas devem ser instituídas. A hipertensão arterial essencial não tem cura, mas deve ser tratada para impedir complicações. Em indivíduos com PA limítrofe, recomenda-se tratamento medicamentoso apenas em condições de Risco Cardiovascular Global alto ou muito alto. Esse risco é definido como a probabilidade de um indivíduo ter um evento [angina, Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), AVC ou morte], durante um período de dez anos. Quanto maior o risco, maior o potencial benéfico de uma intervenção terapêutica ou preventiva.

Apesar de eficazes, os medicamentos não conseguem realizar a tarefa da redução de PA sozinhos. O sucesso do tratamento depende fundamentalmente de mudança comportamental e da adesão a um plano alimentar saudável. “Pequena perda do peso corporal está associada a reduções na PA em pessoas com sobrepeso. Reduzir a ingestão de álcool para no máximo 30 g de etanol para homens e 15 g para mulheres também surte efeitos, assim como a cessação do tabagismo”, aponta a Dra. Beatriz. 

Quando benfeito, o tratamento farmacológico junto a atitudes saudáveis conseguem reduzir a morbidade e mortalidade. Assim, os anti-hipertensivos e as mudanças de hábito são capazes não só de reduzir a PA, como também diminuir os eventos cardiovasculares fatais e não fatais. 


Autor: 
Flávia Corbó

Análise clínica

Edição 274 - 2015-09-01 Análise clínica

Essa matéria faz parte da Edição 274 da Revista Guia da Farmácia.

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