Colaborador torna-se estratégico em momento de crise

A crise econômica gera uma nova visão estratégica do negócio, em que o maior ativo da empresa passa a ser colaboradores qualificados e engajados

Nunca se falou tanto em crise como nos últimos tempos. Hoje, o País atravessa um período de instabilidade econômica que gerou uma retração rápida e intensa, abalando toda a cadeia produtiva, causando desemprego e, consequentemente, enfraquecendo o varejo.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, até maio de 2015, as vendas do varejo tiveram queda de 7% e que o recuo de 0,9% nas vendas do varejo restrito (em que estão inseridos os artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, perfumaria e cosméticos) é o maior desde 2001. Essa desaceleração imprime novas regras para o comércio e é preciso foco para criar oportunidades, pois a cadeia produtiva de bens de consumo básicos e serviços continuará gerando demanda, ainda que com maior parcimônia.

No dicionário, a palavra crise é definida como um “ponto de transição entre uma época de prosperidade e outra de depressão”. E é exatamente nisso que crê o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar) e idealizador do Programa de Administração de Varejo (Provar) da Fundação Instituto de Administração (FIA), Claudio Felisoni de Angelo, ao defender que o atual cenário é uma oportunidade para repensar as operações de modo a considerar acertos e erros, o que agrega valor e o que não agrega.

“Ninguém repensa a vida quando está em êxtase e, sim, quando algo sai da expectativa inicial”, considera. “O varejo tem a função de ser um elo entre a indústria e o consumidor e de adotar estratégias sustentáveis para que isso ocorra, e quando interferências externas – como uma crise econômica, por exemplo – acontecem, é preciso identificar quais são os diferenciais sustentáveis que farão com que a empresa seja o menos atingida possível”, explica.

Felisoni acredita que, em situações como esta, os valores intangíveis, como a qualificação dos colaboradores, bem como o comprometimento com as metas, são os mais importantes para a sustentabilidade de uma organização.

Em tempos de crise, o essencial é enxergar quais são as deficiências do mercado, os pontos mais críticos e investir em soluções para conseguir se destacar. “É como ter apenas uma pizza de oito pedaços com dez pessoas querendo saboreá-la e somente as que chegarem mais rápido poderão comer. Provavelmente, os menos capacitados ficarão para trás e passarão fome, explica o diretor do Instituto Brasileiro de Vendas (IBVendas), Mário Rodrigues. “No comércio, cuja disputa é grande, a tendência é de que a situação seja cada vez mais semelhante a essa, já que com a escassez de oportunidades, apenas os mais preparados terão chances de realizar bons negócios.”

Equipe preparada

Diante de grandes desafios econômicos, concorrência em alta e margens cada vez mais estreitas de lucro, é necessário investir no maior ativo da empresa: os colaboradores. Com pessoas qualificadas, podem-se oferecer produtos e serviços distintos, criando diferenciais competitivos e, assim, sobreviver a tempos difíceis. Em outras palavras, o sucesso vai estar ao lado de quem tiver, em todas as áreas, colaboradores de qualidade, capazes de despertar o encantamento do consumidor, prestar-lhe serviços e estabelecer com ele um clima de confiança. A capacitação cria satisfação, promove o crescimento pessoal e profissional e contribui para diminuir a rotatividade se todo o sistema de gestão estiver focado em um mesmo objetivo.

No entanto, essa prática ainda é um grande gargalo para os varejistas de todos os segmentos, que consideram a iniciativa um custo e não um investimento necessário. Em tempos de retração econômica, então, recursos financeiros para o treinamento são quase inexistentes.

Cinco motivos para treinar a equipe em época de crise

1 Sair da inércia:
a primeira razão e a mais direta é porque, durante o treinamento, descobre-se quem da equipe está a fim de encontrar novos caminhos e novas soluções para sair destes momentos de tensão e quem está somente querendo reclamar e não sair do lugar.
2 Gerar força na sua equipe:
é possível potencializar as forças da equipe. Forças que muitas vezes as pessoas não enxergam ou, nestes casos, simplesmente são abafadas por ruídos de mercado, como: “o desemprego é grande” ou ainda “não estamos vendendo nada” ou o top que é “melhor não fazer nada… nessas horas, é melhor ter cautela”.

3 Melhorar a comunicação:
é em momentos de crise que a equipe consegue em uma sala de aula ver o que está realmente faltando, desperdiçando ou ainda perdendo tempo, que é uma coisa que não volta… É nesses momentos que há melhora da comunicação entre líderes e liderados e entre empresas e mercado.

4 Desenvolver um espírito de equipe:
é perceptível a união de todos quando em uma sala de treinamento o propósito coletivo fica mais claro. Quando todos descobrem para onde e por onde querem caminhar, quando encontram soluções em uma sala de aula, essa energia irradia para toda a empresa, fazendo com que pessoas de outras áreas interajam melhor entre si.
5 Acreditar na mudança:
é em uma sala de aula que há a percepção do que significa mudar, com dinâmicas que nos desafiam cada vez mais a descobrir o que acontece quando se muda o comum, quando se criam caminhos novos e, principalmente, quando se enxerga que mudar fará parte da vida hoje, amanhã e para sempre.

Fonte: fundador da SMSA – Desenvolvimento de Pessoas, Silvio Acherboim

Como explica o superintendente do Boavista Shopping, Marcelo Rodrigues, para um varejista de pequeno porte, por exemplo, o termo “investir” pode ser confundido com “custo”, porque tem uma capacidade de capital de giro pequena, enquanto que do lado do funcionário este papel também acontece, porque a remuneração não atinge um patamar de resultado que justifique parar para analisar um momento de destinar algo para seu futuro. “Esse impasse das partes provoca uma estagnação das operações e, consequentemente, um enfraquecimento da capacidade profissional do capital humano, mas isto é só uma parte. Temos também o outro lado, o do varejo que cresceu de forma descontrolada, aumentando proporcionalmente seus custos e que não consegue destinar valores para investimentos, mas força cada vez mais as operações a trazer resultados para suprir seus efetivos gastos. Isso vale para todos os segmentos, inclusive o farmacêutico”, diz.
Rodrigues, do IBVendas, acredita que é preciso pensar e conduzir o varejo de forma diferente, mais colaborativa e planejada. “Analisando a situação do varejo, é muito comum encontrarmos profissionais do setor de vendas que não estão preparados para enfrentar as dificuldades e só criam estratégias para reverter as adversidades após o surgimento delas. Ou seja, trabalham sempre em situação de emergência para resolver os problemas. Essa postura pode trazer uma série de riscos à empresa e gera desgaste e perda de recursos. As consequências podem ir de uma redução no quadro de funcionários à falência”, explica o diretor.

Como apontam estudos realizados pela Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD), em momentos de retração econômica, há uma tendência de redução dos investimentos em treinamento e desenvolvimento como ação de contenção de gastos. Na prática, essa decisão se mostra inadequada e pode retardar a retomada de ritmo de crescimento quando a economia voltar a crescer. A capacitação do ser humano não é tão rápida quanto à mudança de perspectiva dos mercados. Por isso, é importante mostrar os impactos mensurados do treinamento sempre que um orçamento previsto para um determinado período estiver ameaçado de redução, por conta de uma crise momentânea.

Para o diretor da consultoria Vecchi Ancona – Inteligência Estratégica, Paulo Ancona Lopez, a capacitação dos profissionais pode ir muito além do bom atendimento. Ela deve abranger todos os aspectos da gestão do negócio, como: controles de fluxo de caixa para garantir a saúde da empresa; definição de compras para garantir mais e melhores negociações, além do desenvolvimento de novos fornecedores com melhores condições; gerenciamento de pessoas para que se evite a rotatividade que custa sempre muito caro a qualquer empresa; e o próprio atendimento, que além dos aspectos de cortesia e educação, deve ter um papel muito importante em alavancar vendas por meio de ações proativas e sugestivas. “Em resumo, o varejo deve se qualificar melhor nos aspectos de gestão dos negócios, divulgação e em capacidade de venda”, defende Lopez.

O fundador da SMSA – Desenvolvimento de Pessoas, Silvio Acherboim, compartilha da mesma opinião de Lopez, e acredita que a melhor solução são os treinamentos no próprio ponto de venda (PDV), de modo a criar uma sinergia entre a teoria e a prática em tempo real. “Quando o colaborador acredita que aquele modelo que está sendo construído em sala de aula funciona na prática e faz todo o sentido para ele, as soluções em tempo de crise aparecem”, diz. “O que vale é acreditar em novas saídas, em novos modelos que ampliam a atuação e fazem com que os colaboradores sintam-se mais engajados às metas e aos desafios que a crise impõe”, pondera.

O varejo farmacêutico neste cenário

Os antigos balconistas possuem atualmente uma função muito mais estratégica e interativa, passando a consultores de vendas e não mais apenas a dispensadores de medicamentos e correlatos. Essa nova maneira de lidar com o mercado exigiu – da mesma forma que os demais segmentos da economia –, qualificação e treinamento, já que a diferenciação entre um ou outro PDV se dá, basicamente, apenas pelo atendimento, pois não há grandes variações quanto ao mix de produtos.

Com argumentos reais a respeito daquilo que está sendo ofertado e abrindo sempre um diálogo com o consumidor, que hoje é muito mais exigente, atento e bem informado, o vendedor potencializa o desejo de consumo e o cliente se sente mais seguro de que está fazendo uma excelente aquisição.

Como agir diante de uma situação de crise?

• Tenha visão estratégica: aja antes do menor sinal de crise. Dessa forma, é possível antever fatos e encaminhar soluções que não sejam do tipo apagar incêndio.

• Vislumbre novas possibilidades: o cenário depois de uma crise sempre muda e é preciso estar preparado para planejar a etapa seguinte, ainda que isto signifique nova captação de clientes e mudança de posicionamento estratégico da empresa.

• Mude, isso fará bem à sua empresa: busque profissionais com novas visões, abra a cultura da empresa para a inovação, melhoria de processos e capacitação do pessoal, com uma clara definição de um novo caminho que deverá ser construído.

• Aposte na capacitação de colaboradores: não apenas quanto ao atendimento, mas, sim, sobre o entendimento do negócio como um todo. Quando possuem uma visão macro da empresa, tendem a entender melhor as limitações, bem como as possibilidades.

• Invista na gestão do negócio: controles de fluxo de caixa para garantir a saúde da empresa, gerenciamento de compras para garantir melhores negociações, desenvolvimento de novos fornecedores com melhores condições, além da gestão de recursos humanos a fim de evitar a rotatividade, devem ser previstos e mensurados durante todo o tempo.

• Valorize o capital humano: bem preparados, esses profissionais podem sustentar suas operações em momentos de oscilações econômicas. Caso contrário, comprometem todo o resultado da operação.

• Defina seu público: compreenda quem é seu público primário (quem é o seu principal cliente). É importante saber que missão ou ocasião de compra a empresa atende e como a empresa é relevante para ele. E depois: como sua empresa é percebida por este cliente? A partir da resposta, redefina ou reforce um posicionamento estratégico: o que eu quero ser para quem? Como seremos relevantes? Qual é o nosso propósito? Estabelecer um significado é essencial.

• E não se esqueça de fazer o básico, mas da melhor forma: harmonize o ambiente para as compras, priorize um bom sortimento de produtos, aposte no conforto e na informação qualificada ao seu cliente, tenha belas vitrines e mercadorias dispostas de forma a surpreender o consumidor, invista em redes sociais, no cadastro de clientes para fidelização com incentivos, além de soluções de preços justos e formas especiais de pagamento.

Fontes: Boavista Shopping, Retailor Adivsors, Vecchi Ancona

Para o executivo da Vecchi Ancona, há desafios a ser superados, tanto para os varejistas, como para os funcionários que, em virtude da crise, temem em perder seus empregos. “O varejista precisa da consciência de que tempos de crise são tempos de investir em pessoas, em novas estratégias, em novos processos e novos caminhos, que até ontem poderiam parecer desnecessários. Para os funcionários, cabe o entendimento de que o emprego deve ser preservado e que, para isso, é necessário ter uma postura não passiva e, sim, colaborativa e, por que não dizer, de cooperação e de iniciativa para ajudar a empresa a encontrar novos caminhos”, defende. “Independentemente da ajuda da empresa, cabe a cada colaborador buscar seu aperfeiçoamento profissional e pessoal”, conclui.

Realidade do setor

Especialistas acreditam que o varejo farmacêutico não será tão afetado quanto os demais, já que vem registrando bons índices de crescimento – na casa dos dois dígitos – ao longo dos últimos anos. Mesmo assim, apostam em um volume de vendas mais modesto, já que produtos de segunda necessidade tendem a ser reduzidos ou excluídos da cesta de compras nos próximos meses ou enquanto durar a retração do mercado de modo geral. Como forma de não ser tão impactado, o executivo sugere algumas medidas imediatas por parte dos varejistas. “Uma das alternativas cada vez mais utilizadas pelas indústrias é a de parcerias com o varejo em programas de fidelidade de compra direta em certos medicamentos, o que é vantajoso para todas as partes e deve ser ampliado como conceito de participação no mercado. As maiores redes acabam sofrendo menor retração de vendas, pela capacidade de diversificar produtos, de manter estoques e pela maior fidelização de clientes graças a programas de pontos e descontos”, explica Lopes.

“Por outro lado, o pequeno varejo precisa se reinventar de alguma forma para sobreviver. Uma das possibilidades, além da fidelização de clientes, é a localização de unidades em pontos estratégicos dentro de bairros mais afastados ou de cidades de menor porte, onde a marca consiga criar um elo forte com os consumidores. Uma das formas possíveis será a diferenciação por meio de atendimento a nichos específicos, como idosos ou diabéticos, além da melhor capacitação de seu pessoal de atendimento e compras. As parcerias com fornecedores em promoções conjuntas são também uma fonte de renda adicional, especialmente em datas específicas. E, por fim, outra opção que ainda tem muito terreno a ser explorado é a do comércio eletrônico, cada vez mais presente no dia a dia do consumidor, bem como a fixação de sua marca com ações junto às redes sociais”, diz Lopes. De toda forma, ele acredita que o arrocho da economia se fará sentir até que o mercado se reequilibre e possa passar por uma nova onda de crescimento, fato que será agravado pela questão da alta do dólar, uma vez que muitos insumos da indústria são importados, o que acabará provocando majoração de preços.

O diretor da Retailor Adivsors, Olegário de Araújo, ressalta que é importante não generalizar a palavra crise. “Ela impactará famílias e empresas de formas distintas, já que há pessoas e empresas abaixo e acima da média. Entender essa diferença é fundamental”, diz. “Frequência de compras, número médio de tíquetes, valor médio do tíquete, área de influência da loja e rentabilidade continuarão sendo questões que tirarão o sono do varejista. Por outro lado, embora com menos dinheiro disponível, as necessidades dos consumidores continuam as mesmas. Este é um bom momento de se fazer uma revisão estruturada do negócio que inclui estratégia, pessoas e processos”, finaliza.

Disponível no mercado

Atualmente, existem muitas opções para qualificar colaboradores, que vão desde cursos específicos oferecidos por escolas técnicas, até módulos a distância, livros customizados, congressos e feiras do setor farmacêutico. A Contento Comunicação, por exemplo, oferece uma gama imensa de produtos destinados para a capacitação do farmacista. Além do Guia da Farmácia, tem diversos livros publicados, que podem ser encontrados pelo site www.lojacontento.com.br e o Treina PDV Farma, que oferece cursos on-line gratuitos, basta acessar www.treinapdvfarma.com.br.

Análise clínica

Edição 274 - 2015-09-01 Análise clínica

Essa matéria faz parte da Edição 274 da Revista Guia da Farmácia.

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