Atenção com a interação medicamentosa

Na hora da venda, informe sobre como evitar os efeitos negativos da interação medicamentosa

Avisar o médico, durante a consulta, ou mesmo o farmacêutico, na hora da dispensação, sobre todos os medicamentos de que se faz uso não é uma prática usual da população. No entanto, essa falta de cuidado pode culminar na interação medicamentosa, entendida como a resposta farmacológica, toxicológica, clínica ou laboratorial causada pela combinação de dois ou mais medicamentos.

A interação pode, inclusive, ocorrer sob outros aspectos, conforme explica a professora titular e farmacêutica responsável pela Farmácia-Escola da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e professora titular do curso de Farmácia da Universidade de Guarulhos (UnG), Maria Aparecida Nicoletti. “Também pode ocorrer a interação do medicamento com alimentos, substâncias químicas ou doenças; e também pode resultar em um aumento ou diminuição da efetividade terapêutica ou ainda no aparecimento de novos efeitos adversos. Até mesmo resultados de exames laboratoriais podem ter a confiabilidade afetada pela interação com medicamentos”, alerta.

Assim, as possibilidades são diversas e, muitas delas, podem trazer consequências danosas, como a intoxicação. Em 2012, foram registrados em torno de 27 mil casos do problema, segundo os últimos dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas e Fundação Oswaldo Cruz (Sinitox/Fiocruz). Apesar do levantamento não apontar casos específicos de complicações por interações medicamentosas, em três deles, esses problemas podem ter ocorrido: uso terapêutico errado; prescrição médica incorreta; ou automedicação. Além disso, muitos casos podem levar à morte.

Cenário Geral 

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Fontes: Ministério da Saúde/Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas e
Fundação Oswaldo Cruz (Sinitox/Fiocruz). 2012 – Dado numérico igual a zero não resultante
de arredondamento

 

“Conforme informação obtida a partir do Sinitox, o mau uso de medicamentos, de forma intencional ou não, tem sido apontado como o principal agente tóxico”, alerta Maria Aparecida. Segundo ela, entre as classes de medicamentos mais frequentes relacionadas à intoxicação podem ser mencionadas as dos benzodiazepínicos, antigripais, antidepressivos e a dos anti-inflamatórios.
Segundo a docente do curso de Farmácia da Universidade Anhembi Morumbi, Myrian Sano, o mau uso de medicamentos no País e que, consequentemente, pode levar a casos de interação medicamentosa, ainda é alarmante. “Estudos* apontam que pelo menos 35% dos medicamentos adquiridos no Brasil são por meio de automedicação. Os medicamentos respondem por 27% das intoxicações no País e 16% dos casos de morte por intoxicações são causados por medicamentos. Além disso, 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados inadequadamente”, mostra.

Normalmente, os idosos constituem um dos grupos mais suscetíveis a interações medicamentosas, seja pelo uso concomitante de vários medicamentos ou pela diminuição no metabolismo. Maria Aparecida cita um exemplo relacionado ao envelhecimento. “A absorção do medicamento poderá ser diminuída por alterações, como aumento do pH gástrico, ou mesmo o retardo no esvaziamento gástrico e a diminuição da superfície de absorção. Já em relação à excreção, com a diminuição do fluxo sanguíneo renal e da velocidade de filtração glomerular ocorrerá a diminuição da eliminação renal de fármacos”, diz.

O papel do farmacêutico

Para evitar o risco de interação medicamentosa, são três os agentes envolvidos: o paciente, que precisa avisar médicos e farmacêuticos sobre suas prescrições; o médico, que deve ser mais ativo ao questionar e alertar sobre o risco de interações; e também o farmacêutico, na hora da dispensação. “Todos os envolvidos precisam cumprir os seus papéis para que o medicamento seja utilizado racionalmente e com segurança”, reforça Maria Aparecida.

Medicamentos envolvidos

O que pode ocorrer

Como agir

Antiácido + Antibiótico Os antiácidos mais comuns podem diminuir a taxa de absorção do antibiótico e comprometer sua efetividade. Esperar, no mínimo, uma hora após a ingestão do antibiótico para tomar o antiácido.
Corticoide + Anticoncepcional Corticoides, como a prednisona e a prednisolona, não cortam o efeito, mas podem ter seus efeitos colaterais potencializados pela associação com a pílula anticoncepcional. Evitar a utilização de corticoide e verificar a possibilidade de substituição por outro medicamento que apresente resposta farmacológica necessária para o problema em questão.
Medicamento para emagrecer + antidepressivo Considerando a associação de medicamento para emagrecer à base de sibutramina e antidepressivo cujo fármaco seja a fluoxetina, esta última poderá inibir as enzimas que metabolizam a sibutramina, potencializando as reações adversas. Podem ocorrer, assim, o aumento da pressão arterial e taquicardia. Deve-se evitar a administração de um dos medicamentos. Caso seja necessária a utilização dos dois, dependendo do metabolismo de cada indivíduo, até a administração de doses mínimas poderá interagir de forma perigosa.
Diuréticos + Phyllantus niruri L (fitoterápico) Medicamentos fitoterápicos podem interagir com outros fitoterápicos e/ou alopáticos. Essas interações podem ocorrer de várias formas, por exemplo, quando ministrados em conjunto, um dos medicamentos pode potencializar a ação do outro ou perder o efeito ou ainda alterar a absorção, excreção e/ou metabolismo do outro. O quebra-pedra (Phyllantus niruri L), indicado para cistites e litíases do trato urinário (popularmente conhecidas como “pedras” no aparelho urinário), potencializa a ação dos diuréticos indicados para o tratamento da hipertensão. Deve-se evitar a administração simultânea, deixando um intervalo entre o uso dos medicamentos.

 

No caso dos farmacêuticos, é dever desses profissionais orientar sobre as receitas médicas na hora da dispensação, segundo a RDC 44/09. As normas dizem que “o estabelecimento farmacêutico deve assegurar ao usuário o direito à informação e orientação quanto ao uso de medicamentos” e que “são elementos importantes da orientação, entre outros, a ênfase no cumprimento da posologia, a influência dos alimentos, a interação com outros medicamentos, o reconhecimento de reações adversas potenciais e as condições de conservação do produto”.

“Esses profissionais devem orientar sobre as possíveis interações medicamentosas, efeitos adversos e horários adequados para tomar os medicamentos. As reações adversas são inerentes ao medicamento, portanto, não podem ser evitadas”, alerta Myrian. Maria Aparecida sugere que os farmacêuticos elaborem um guia/calendário posológico, para os pacientes que administram diversos medicamentos diariamente. “Nesse documento, devem ser descritos os medicamentos de uso, o horário, como deve ser feita a administração e os cuidados inerentes para o uso seguro da terapia”, ensina.

Outra medida está na leitura da bula, que pode alertar sobre tudo o que se espera sobre um determinado medicamento. “Os pacientes podem conhecer as possíveis reações adversas e interações medicamentosas e estar atentos a elas. Assim, podem procurar ajuda imediatamente, caso percebam algum problema”, mostra a especialista da Anhembi Morumbi.

Efeitos inesperados

Uma das consequências da interação medicamentosa é a ausência ou a redução da resposta terapêutica esperada de um medicamento. Maria Aparecida lembra um exemplo de interação medicamentosa que gera inefetividade terapêutica: a administração de tetraciclina (antibiótico) com alimentos derivados do leite ou mesmo preparações vitamínicas. “Nesse caso, pode ocorrer a diminuição da absorção em razão da formação de um complexo insolúvel, impedindo a absorção da tetraciclina”, mostra.

Outro aspecto que pode ser considerado está relacionado ao consumo do tabaco e do álcool. “O tabaco, por exemplo, acelera o metabolismo hepático da dipirona, reduzindo seus efeitos terapêuticos, enquanto o álcool potencializa a toxicidade desse fármaco”, finaliza.

Autor: Kathlen Ramos

Mercado ilegal de medicamentos

Edição 275 - 2015-10-01 Mercado ilegal de medicamentos

Essa matéria faz parte da Edição 275 da Revista Guia da Farmácia.

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