Medicamentos falsificados na mira da fiscalização

Medicamentos falsificados são extremamente nocivos à saúde do consumidor, mas, mesmo assim, já representam 15% do mercado mundial

Um medicamento falsificado é um produto embalado e etiquetado indevidamente, de maneira deliberada e fraudulenta, em que não se respeita sua fonte ou identidade, podendo conter alterações e adulterações em sua fórmula original, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Pelo menos 15% do mercado de medicamentos mundial é composto por produtos fabricados dessa maneira. Devido ao caráter informal dessas vendas, não há como estabelecer um número com precisão, mas existem especialistas que apontam percentuais ainda mais altos. No Brasil, não há dados oficiais que mostrem o tamanho desta atividade ilegal dentro do País, mas, a exemplo da média mundial, o tamanho do problema é significativo.

Grande parte dos fármacos falsificados que circulam no mercado nacional é obtida ilegalmente de países asiáticos e entra pelo Paraguai. Estados ao norte do País, como Roraima, aos poucos também têm se tornado uma importante porta de entrada para essa mercadoria ilegal. Antes de atravessarem as fronteiras brasileiras, esses produtos são elaborados em laboratórios clandestinos, produzidos fora de qualquer padrão de segurança e higiene, sem nenhum registro em órgãos reguladores.

Parte da comercialização ocorre em locais alternativos às farmácias regulamentadas, como feiras livres e camelôs, mas o grande canal de compra e venda de medicamentos falsificados é a internet. “Há vários sites piratas, normalmente com registro no exterior. O controle é muito difícil, porque quando se consegue tirar uma página do ar, ela migra para outro registro”, explica o diretor de assuntos econômicos da Interfarma, Marcelo Liebhardt. Ele dá a dimensão do problema: “Não apenas no Brasil, mas como no exterior, estima-se que 50% dos medicamentos vendidos por esses sites não vinculados às farmácias regulamentadas são falsificados”.

Entre os fármacos irregulares, estão aqueles que deveriam ter o acesso mais difícil e controlado, como estimuladores da função erétil, reguladores de apetite, abortivos, anabolizantes e quimioterápicos. Outra importante categoria explorada pelos falsificadores é a de medicamentos fitoterápicos. E são eles os mais bem aceitos pela população, que acredita que por ser produzidos a partir de substâncias naturais, não representam perigo.

A crença é falsa e muito prejudicial, segundo a docente da graduação em Farmácia do Complexo Educacional Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Catariana Cani. “O fato de ser um medicamento produzido com substâncias naturais não isenta esse produto de riscos à saúde. Por isso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio da Instrução Normativa nº 4, de junho/2014, aprovou o Guia de orientação para registro de Medicamento Fitoterápico e registro e notificação de Produto Tradicional Fitoterápico, justamente com o objetivo de promover o adequado processo de fabricação e garantir a segurança e a eficácia destes medicamentos, resguardando assim, a saúde dos usuários.”

Mesmo com riscos evidentes, o grande atrativo desse tipo de mercadoria são os preços baixos que, às vezes, chegam à metade do praticado de forma legal. “As pessoas que estão fragilizadas com a situação de saúde passam a adquiri-los em função do acesso facilitado e do custo”, acredita a professora titular e farmacêutica responsável pela Farmácia-Escola da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e professora titular do curso de Farmácia da Universidade de Guarulhos (UnG), Maria Aparecida Nicoletti.

Tecnologia aliada

Existem dispositivos técnicos que auxiliam o varejista e o consumidor a ter certeza da origem legal do produto. Na embalagem do medicamento, estão presentes dois elementos de segurança: a tinta reativa e a inviolabilidade (lacre ou selo de segurança). Entenda como funciona cada um deles.

• Tinta reativa: na lateral da embalagem dos medicamentos, há uma área especial, revestida com uma tinta reativa. Quando essa área é raspada com um objeto metálico, como, por exemplo, uma moeda ou um clipe, a tinta reage quimicamente, possibilitando visualizar a palavra “Qualidade” e a logomarca da empresa. É importante destacar que a tinta reativa não descasca e não deve ser raspada com objetos pontiagudos.

• Lacre ou selo de segurança: este item de segurança tem por objetivo garantir a inviolabilidade da embalagem dos medicamentos. Alguns fabricantes utilizam um selo propriamente dito, específico para cada empresa. Outros fabricantes utilizam tecnologias para lacrar a embalagem, como a denominada hot melt, na qual é utilizado um tipo de cola quente nas abas ou o uso de papel autodestrutível que, quando aberto, provoca danos na embalagem, dificultando que ela seja fechada novamente.

Fonte: professora titular e farmacêutica responsável pela Farmácia-Escola da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e professora titular do curso de Farmácia da Universidade de Guarulhos (UnG), Maria Aparecida Nicoletti

Mas os preços baixos só conseguem ser alcançados porque os medicamentos falsificados não têm qualquer controle de qualidade em nenhuma das etapas de fabricação. “As matérias-primas são sintetizadas de maneira ilegal, além de inúmeros contaminantes presentes, e a cadeia de produção é totalmente irregular. São produzidos em locais que não apresentam qualquer estrutura física, sanitária e tecnológica que possam dar segurança no seu uso”, descreve.

Estar sempre atento às mudanças no formato, aspecto, tamanho, cor e outras características que o medicamento sempre apresentou.

Os medicamentos disponibilizados pela internet podem ter sua origem duvidosa. No Brasil, toda venda realizada através do e-commerce deve estar vinculada à uma farmácia regulamentada.

Todos os medicamentos devem estar relacionados em nota fiscal com os devidos lotes e prazo de validade.

Aspectos como erros ortográficos em texto de bula ou embalagem além do tipo de letra deverão ser também confrontados.

Verificar a coincidência da numeração de lote e identificação de validade nas embalagens primária e secundária, bem como outras características de baixo-relevo que eram próprias do medicamento. Em caso de alguma dúvida, entrar em contato com a indústria farmacêutica para os esclarecimentos devidos.

Observar com cuidado as promoções de medicamentos.

Perigo à saúde

Por ser fabricados a partir de matérias-primas sem controle de qualidade, em laboratórios de fundo de quintal, com instalações e condições de trabalho em desacordo com a legislação das autoridades sanitárias, os medicamentos falsificados são completamente imprevisíveis quanto ao comportamento no organismo, por isso, é tão essencial que toda indústria farmacêutica cumpra com todas as exigências estabelecidas pela Anvisa. Quando um medicamento não tem o aval do órgão regulador, o princípio ativo pode estar comprometido, com a dosagem ou mesmo a identificação irregulares.

“Nas apreensões de mercadoria falsa, é verificado que as substâncias presentes nos medicamentos divergem da informação que consta em rótulo dos produtos apreendidos, além da presença de contaminantes”, conta Maria Aparecida, lembrando, ainda, que muitas vezes não é encontrado o fármaco naquele medicamento.

As consequências do consumo desse tipo de produto são diversas, dependendo do que foi administrado e a quantidade. “O impacto na saúde pode ocorrer com a não efetividade terapêutica, resposta reduzida ao tratamento e até reações adversas graves e toxicidade”, enumera Catariana. Existem diferentes níveis de toxicidade e, dependendo do fármaco e dosagem presentes, o usuário pode vir a óbito, porque demora a identificar que há um problema. “Quando um medicamento apresenta um efeito colateral, o paciente entende que é um sinal de que o tratamento está fazendo efeito, mas tem se encontrado até veneno para rato nos medicamentos falsificados”, alerta Liebhardt, da Interfarma.

Condições de armazenamento

Dentro do universo de medicamentos clandestinos, existem produtos autênticos, mas que são comercializados por estabelecimentos não regulamentados. “Medicamentos são a quarta carga mais roubada no Brasil e estes produtos, normalmente, voltam a ingressar na cadeia formal, mas também em camelôs e feiras livres”, explica Liebhardt. A prática também pode ser danosa ao paciente, pois não garante a integridade do produto vendido.

Para que o medicamento esteja de acordo com as especificações estabelecidas, é fundamental que a condição de armazenamento, indicada pelo fabricante, seja cumprida. Quando essas exigências não são atendidas, não há como avaliar o impacto causado no produto e o seu grau de comprometimento. “O que podemos afirmar é que não será adequado ao consumo, considerando que não foi submetido às condições estabelecidas pelo fabricante. Nessa situação, poderão estar presentes produtos de degradação do fármaco, tóxicos ou não, além do comprometimento da quantidade de fármaco que deveria estar presente para que houvesse eficácia terapêutica”, detalha Maria Aparecida.

Segurança à fabricação de medicamentos

Saiba o que mudou na legislação de boas práticas de fabricação de medicamentos Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 33, que alterou a RDC nº 17, de 10 de abril de 2010:
• Os produtos não farmacêuticos e os não sujeitos à vigilância sanitária não devem ser fabricados em áreas ou com equipamentos destinados à fabricação de medicamentos, com algumas exceções:
– Produtos veterinários que contenham exclusivamente insumos cuja segurança para uso humano já tenha sido demonstrada e aprovada;
– Produtos para saúde, produtos de higiene, cosméticos e/ou alimentos em área e/ou equipamentos, se houver comprovação técnica de que os materiais empregados possuem especificações de qualidade compatíveis ou superiores aos demais materiais usados na fabricação de medicamentos e se forem cumpridas as seguintes exigências:
. A fabricação de tais produtos deve ser realizada de acordo com todos os requisitos referentes a instalações, equipamentos, sistemas, utilidades, pessoal e materiais previstos na RDC nº 33.
. A fabricação de tais produtos deve ser precedida de uma análise de risco contemplando a identificação, análise e avaliação dos riscos, a sua mitigação e a decisão quanto à aceitabilidade dos riscos remanescentes.

É importante sempre verificar se a embalagem do medicamento está íntegra, sem avarias, sinais de vazamento de líquidos e sem o rompimento de lacres. “Também é necessário verificar se as características da embalagem, como formato, cor, letras e outras informações, estão como o habitual, pois se houver alguma alteração nestes parâmetros, sem indicativo desta alteração na embalagem, existe a hipótese de ser um medicamento falsificado”, complementa Catariana.

Como evitar

O consumidor é o elo mais frágil e visado do mercado ilegal de medicamentos, mas os varejistas também não estão ilesos e devem ficar atentos para não compactuar com a cadeia clandestina, ainda que sem conhecimento. Em primeiro lugar, é fundamental que as farmácias adquiram os medicamentos em distribuidoras idôneas. “O responsável pelas compras deve estar sempre atento e consultar frequentemente a legalidade da empresa junto aos órgãos de competência – a Autorização de Funcionamento de um estabelecimento pode ser consultada no site da Anvisa (http://portal.anvisa.gov.br) – e comprar produtos sob vigilância sanitária apenas em estabelecimentos licenciados ou autorizados para esta atividade”, aconselha Maria Aparecida.

Além das questões técnicas, há outros sinais que podem ajudar um varejista a identificar a má procedência da mercadoria, segundo Liebhardt. “Quando o ganho derivado do produto é excessivo, há motivo para desconfiar. E para obter tamanha vantagem, ele, provavelmente, está comprando a mercadoria de fontes claramente duvidosas. O mesmo ocorre quando se fala de roubos de carga. É preciso suspeitar de uma compra boa demais.”

Alternativa segura

Produtos piratas existem em diversas categorias de varejo, como em vestuário e eletrônicos, mas quando se trata de medicamentos, a questão vira um problema de saúde pública, já que pode causar danos irreversíveis à integridade física do usuário. Por isso, o setor farmacêutico brasileiro vem debatendo a implantação da rastreabilidade de medicamentos. Para Liebhardt, essa é a melhor saída a fim de se coibir a circulação de medicamentos falsos no País.

“É um processo que permite uma transparência maior na cadeia de suprimentos, desde o fabricante até o consumidor. O varejista, via sistema, consegue identificar se aquilo que ele está recebendo está vindo do fabricante ou distribuidor correto. O consumidor também teria condições de identificar se o que ele está comprando tem origem legal e se o local da compra é regulamentado.” Além disso, o sistema tecnológico ajudaria os órgãos reguladores, que hoje não têm estrutura suficiente para fiscalizar todo o setor, em um país com proporções continentais como o Brasil.

Mercado ilegal de medicamentos

Edição 275 - 2015-10-01 Mercado ilegal de medicamentos

Essa matéria faz parte da Edição 275 da Revista Guia da Farmácia.

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