Um mal que cresce cada vez mais

O aumento do peso está associado às doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e ao câncer e já é responsável por 72% dos óbitos no País. Conscientizar a população sobre o problema é fundamental 

Preocupação com o ponteiro da balança e o motivo não é apenas o estético. O aumento do peso da população, não somente no Brasil, mas no mundo todo, tem preocupado o sistema de saúde, já que a obesidade se torna a porta de entrada para muitas doenças, que podem causar desde o comprometimento da qualidade de vida, até o óbito.

A pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2014 revelou que 17,9% da população está obesa. No mesmo ano, foi apurado que 52,5% dos brasileiros estão acima do peso – o índice era de 43% em 2006 e de 51% em 2013.

O maior aumento da taxa de sobrepeso ainda está no sexo masculino (56,5% contra 49,1% no sexo feminino), enquanto que a obesidade tem uma pequena vantagem para o sexo feminino (18,2% contra 17,56% no sexo masculino).

A pesquisa mostra ainda que os níveis de colesterol estão elevados em 20% da população pesquisada (22,2% em mulheres e 17,6% em homens), especialmente acima dos 40 anos de idade (6,8% em adultos jovens de 18 a 24 anos de idade).

No que diz respeito às características da alimentação nessa população, o estudo aponta para uma presença maior de frutas e hortaliças na rotina do brasileiro, com um aumento no número de pessoas que buscam uma alimentação saudável, com menos gordura.

Mas o consumo de sal (12 gramas/dia) ainda é muito alto (2,5 vezes o recomendado de 5 gramas/dia) e essa população ainda tem substituído refeições por lanches (16,2%).

O que é a obesidade

Trata-se do acúmulo excessivo de gordura corporal no indivíduo. Em adultos, o parâmetro utilizado mais comumente é o do Índice de Massa Corporal (IMC), que é calculado dividindo-se o peso do paciente pela sua altura elevada ao quadrado. De acordo com o gastroenterologista e credenciado da Paraná Clínicas, Dr. Cassius Frigulha, esse é o padrão utilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Identificamos o peso normal quando o resultado do cálculo do IMC está entre 18,5 e 24,9. Para ser considerado obeso, o IMC deve estar acima de 30.”

O gastroenterologista, cirurgião bariátrico e responsável pelo Centro de Obesidade do Hospital Leforte, Dr. Tiago Szego, divide a obesidade em três graus:

• Sobrepeso: 25-29,9;

• Obesidade Grau 1: 30-34,9;

• Obesidade Grau 2: 35-39,9;

Obesidade Grau 3 ou mórbida: IMC > = 40.

A obesidade é uma das principais causas de morte evitáveis em todo o mundo. O Dr. Frigulha destaca que, a cada ano, morrem 3,4 milhões de adultos em consequência da obesidade ou do sobrepeso. Um IMC entre 30 e 35 reduz a esperança de vida entre dois e quatro anos, enquanto que a obesidade grave (IMC > 40) reduz a esperança de vida em dez anos. Sendo assim, em média, ela reduz a esperança de vida entre seis a sete anos, tempo significativo.

Além disso, cresce a chance de síndrome metabólica que seria o aumento de chance de desenvolver diabetes mellitus, que é o excesso de açúcar no sangue, e a elevação da pressão. “Piora o refluxo gastresofágico, aumenta o risco de colesterol, triglicérides aumentados e outras alterações, elevando assim o risco para infartos e problemas circulatórios. O obeso tem mais tendência à apneia do sono que favorece o risco de morte súbita”, alerta o Dr. Szego.

Incidência do problema

Nos países ocidentais, especialmente nas Américas, os índices de diagnóstico da doença vêm aumentando nas últimas décadas. Estima-se que entre 30% a 40% das pessoas estejam acima do peso. No Brasil, a incidência está em torno dos 30%, explica a endocrinologista do Hospital 9 de Julho, Dra. Roberta Frota.

O gastroenterologista e credenciado da Paraná Clínicas analisa esses números. “A obesidade atinge 600 milhões de pessoas no mundo, 30 milhões somente no Brasil. Se incluirmos a população com sobrepeso, esse número aumenta para 1,9 bilhão de pessoas no mundo e 95 milhões de brasileiros. A OMS projeta que, em 2015, existirão 2,3 bilhões de pessoas com excesso de peso e 700 milhões de obesos no mundo inteiro.”

Os principais fatores desencadeantes da obesidade são maus hábitos alimentares e falta de atividade física, como destaca o responsável pelo Centro de Obesidade do Hospital Leforte. “O estilo de vida, o aumento de vida nas cidades, maior uso de alimentos industrializados, falta de prática de atividades físicas, ou seja, sedentarismo, alimentação fora de casa, enfim hábitos inadequados elevam o problema.”

Além disso, a Dra. Roberta destaca que hoje as pessoas estão mais sedentárias e têm facilidade de ingerir produtos industrializados com alto teor calórico (bolachas, salgadinhos, enlatados, refrigerantes), sem falar nas frituras, doces e massas. Elas também nem sempre fazem as refeições em horários adequados e não procuram ter uma dieta equilibrada, o que favorece o ganho de peso.

“Há um estudo muito interessante, o ‘Ten Putative Contributors to the Obesity Epidemic’, artigo recente publicado na Critical Reviews in Food Science and Nutrition, que apresentou evidências de que fatores como a poluição, a tecnologia, o sono e até mesmo o ar condicionado podem favorecer o desenvolvimento da doença”, salienta o endocrinologista e chefe do grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Dr. Marcio Mancini. A revisão mostra que, além das causas genéticas, o ambiente e a vida moderna têm contribuído muito para o aumento dos casos da obesidade no mundo. Alguns deles:

1- Poluição e exposição a outros produtos químicos: os compostos presentes na poluição, em certos plásticos, pesticidas e solventes podem alterar o metabolismo e a produção hormonal, influenciando no ganho de peso.

2- Tecnologia: o uso de novas tecnologias facilitou as atividades cotidianas e substituem a força muscular, fazendo com que as pessoas se movimentem menos.

3- Ambiente termoneutro: antigamente, se gastava uma quantidade considerável de energia para equilibrar a temperatura do corpo. Com o uso de ar condicionado e aquecedores de ambiente, o corpo não precisa mais se adaptar já que os aparelhos mantêm a temperatura ideal, proporcionando menor gasto de energia.

4- Sono: uma noite mal dormida implica na produção reduzida de melatonina, hormônio que rege vários outros ritmos metabólicos do organismo além do sono. O sono ruim também desregula o metabolismo, contribuindo para o ganho de peso.

5- Gravidez mais tardia: está cada vez mais comum ter o primeiro filho depois dos 30 anos de idade. Quanto maior a idade materna, maior a chance de o filho ser obeso na adolescência. Acredita-se que isso aconteça porque quanto mais velha a mãe, o bebê está mais propenso a nascer com um peso maior. Essa correlação pode acarretar na obesidade.

6- Similaridade fenotípica: a adiposidade dos casais tende a ser semelhante. Isso significa que parceiros com sobrepeso tendem a perpetuar geneticamente o problema na descendência.

Controlando o problema

Como método de prevenção para tentar frear o aumento da obesidade, o Dr. Frigulha observa que a situação pode ser evitada, a começar pela educação das crianças dentro de casa e na escola. “Deve-se optar sempre por refeições e lanches saudáveis (ricos em carnes magras, vegetais, frutas e massas integrais) e evitar alimentos industrializados e ricos em gordura e manter a prática regular de exercícios físicos.”

A primeira opção para se livrar do excesso de peso é o chamado tratamento clínico, que inclui dieta, exercícios, medicação e acompanhamento de endocrinologista, nutricionista e psicólogo. Quando o tratamento clínico se mostra ineficaz, o tratamento cirúrgico deve ser considerado.

O preparador físico e autor do livro A Dieta Ideal, Marcio Atalla, observa que, no Brasil, 23% da população assiste à TV mais de três horas por dia. Porém, o corpo depende da atividade física para funcionar melhor. “O exercício tem impacto hormonal, evita problemas cardíacos, assim como a obesidade e o aumento de peso, além de contribuir com o funcionamento do metabolismo e o movimento das articulações.”

Além disso, 48% dos brasileiros são sedentários. O sedentarismo, por sua vez, está muito relacionado com 

o aparecimento de doenças, como pressão alta, diabetes e obesidade. Apenas 35% da população brasileira pratica atividade física três vezes por semana, sendo que o ideal é 30 minutos por dia e cinco vezes por semana. “A OMS mostra que mais de três milhões de mortes por ano no mundo podem ser atribuídas à falta de atividade física. Além disso, a inatividade é o quarto maior fator de risco de mortalidade global”, observa Atalla.

Outro ponto importante, apontado pela nutricionista e proprietária da Recomendo Assessoria em Nutrição, Marcia Daskal, é que, dentro da relação entre obesidade e alimentação, muito tem se falado que o consumo excessivo do açúcar é considerado como causa da doença, porém, isso é um mito. “Nenhum ingrediente/nutriente, isoladamente, pode ser considerado como a causa de uma doença. Claro que um indivíduo que consome açúcar em excesso (ou qualquer outro ingrediente que possui calorias) vai engordar. O excesso de calorias, aliado à falta de movimento, costumam ser o responsável pelo ganho de peso, como era de se esperar.”

• Pressão alta: o aumento da insulina associado ao ganho de peso e obesidade (devido à resistência à insulina) e a compressão física dos rins pela gordura intrarrenal levam ao aumento da angiotensina, uma substância que provoca retenção de sódio nos rins. Além disso, a insulina alta e o aumento da leptina (esta produzida no tecido adiposo em excesso) causam um aumento da atividade adrenérgica (aumento da adrenalina), que leva à vasoconstrição e ao aumento da frequência cardíaca.

• Diabetes: o aumento do peso causa um mau funcionamento da insulina, o que é chamado de resistência à insulina. Isso é compensado por um aumento da produção da insulina pelo pâncreas que, com o passar dos anos, não consegue compensar mais a resistência e a glicose começa a se elevar no sangue. Primeiro em níveis entre o normal e o estado diabético (o chamado pré-diabetes) e quando passa de 125 mg/dL no nível em jejum, diabetes tipo 2.

• Problemas nas articulações: as cartilagens das articulações que suportam a carga são desgastadas devido ao trauma do peso. As mais afetadas são as da coluna lombar, coxofemorais e dos joelhos.

• Dificuldades respiratórias: obesos têm mais gordura na região da faringe, apresentando mais roncos e mais risco de apneias (fechamento da faringe) durante o sono. Asma é mais comum em obesos, devido ao refluxo gastresofágico, que pode predispor a broncoconstrição, à inatividade física, que é mais comum na obesidade, e à produção de fatores inflamatórios pelo tecido adiposo que predispõe a asma.

• Tipos de câncer: a insulina alta é um fator de crescimento e de divisão celular, a obesidade é um estado de deficiência imune relativa (assim, os linfócitos podem não reconhecer adequadamente células tumorais em tumores ainda muito iniciais e destruí-las). A mulher obesa apresenta níveis elevados de estrogênio, o que predispõe às neoplasias mais comuns da mulher, mama e endométrio. A neoplasia de cólon é mais comum em obesos. Fatores ligados à alimentação, principalmente aumento de gorduras, podem estar ligados ao aumento do câncer de intestino.

Fonte: endocrinologista e chefe do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Dr. Marcio Mancini

 

Responsabilidade do varejista

As farmácias, assim como qualquer estabelecimento do setor de saúde, devem ser vistas como tal e não como um simples ponto de venda; ou seja, devem ser uma boa fonte de comunicação para o público. Isso significa tirar as dúvidas dos consumidores, com o diferencial de uma orientação correta e de qualidade, orienta Atalla.

As iniciativas podem ser realizadas, de acordo com o Dr. Szego, do Hospital Leforte, com a apresentação de informações úteis e educativas por meio de folders, folhetos, flyers, jornaizinhos, organizando grupos de atividades físicas, palestras e encontros sobre o assunto, evitando a venda de doces e alimentos com alto índice de gordura, enfim, estimulando bons hábitos e costumes. 

Autor: Vivian Lourenço

Mercado ilegal de medicamentos

Edição 275 - 2015-10-01 Mercado ilegal de medicamentos

Essa matéria faz parte da Edição 275 da Revista Guia da Farmácia.

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