Vacinação em farmácias

Entidades representantes do varejo farmacêutico pressionam Anvisa para regulamentar o serviço

O fato de que a incidência de gripe aumenta no inverno é de conhecimento geral. No entanto, em meados de marços deste ano, um surto de H1N1, fora de hora, causou alvoroço entre os brasileiros. Enquanto ao longo de 2015 foram registrados 141 casos e 36 mortes relacionados ao vírus H1N1, até o início de junho, foram notificados 1.050 casos e 310 mortes atribuídas à doença.

O resultado foi que, logo no início do ano, quando os termômetros ainda marcavam altas temperaturas, as notícias sobre uma possível nova epidemia fizeram lotar os postos de saúde pública. No entanto, o governo não estava preparado para um surto antecipado. A solução foi liberar lotes de vacina apenas para membros dos grupos de risco, como crianças, idosos, gestantes e portadores de doenças crônicas. No entanto, quem não se enquadrava nesses grupos também queria proteção. Além disso, queria ter acesso à versão mais atualizada da vacina, essencial para o combate a um vírus que está em constante mutação. Isso fez com que se formassem longas filas nas clínicas particulares que ofereciam o serviço. Na cidade de São Paulo, pessoas chegaram a aguardar até cinco horas para receber a imunização.

Como manda a lei máxima do capitalismo – oferta e procura –, muitas clínicas se aproveitaram da busca desesperada pela vacina e elevaram os preços às alturas. O abuso foi tanto que denúncias de consumidores levaram a Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) a notificar alguns estabelecimentos a prestar esclarecimentos sobre aumento excessivo do preço da vacina contra a gripe H1N1.

Em uma das clínicas vistoriadas, foi constatado o aumento de 50% do preço anterior referente ao primeiro lote. Nelas, as vacinas variavam de R$ 90 a R$ 120. Ao Procon, as empresas notificadas alegaram que o reajuste se deu por conta dos fornecedores, que aumentaram em 13,5% o valor das vacinas.

Solução à vista

Enquanto o consumidor fica desprotegido, sem acesso pleno à vacina gratuita concedida pelo governo e à mercê de preços altos e filas imensas em estabelecimentos particulares, farmácias preparadas para oferecer vacinação estão impedidas de colocar à disposição o serviço.

A Lei 13.021/14, que trata dos serviços de Atenção Farmacêutica, já autoriza que as farmácias disponibilizem vacinas para uso imediato por parte da população. No entanto, antes que o serviço entre em vigor, de fato, é necessário que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emita uma norma técnica que regulamente a atividade. Entretanto, depois de dois anos desde que a lei foi aprovada e sancionada, a norma ainda não foi divulgada.

“Se a aplicação das vacinas nas farmácias já tivesse sido regulamentada, teríamos aumentado muito a capacidade privada de atendimento à população. Isso sem falar na facilidade de acesso, com os horários extensivos de atendimento, e um provável preço bem mais acessível do serviço. Tudo isso com a segurança necessária, pois será o farmacêutico o profissional responsável por conduzir o serviço”, afirma o presidente executivo da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sergio Mena Barreto.

De acordo com o executivo, a prática já se mostrou acertada em outros países e não somente em relação à gripe. Com a possibilidade de obter as mais diversas vacinas nas farmácias, aumentou-se muito o nível de imunização dos cidadãos para doenças, como, herpes zoster, hepatite A e B, HPV, meningite, pneumonia, tétano e outras.

“Nos Estados Unidos, por exemplo, nos estados onde as farmácias oferecem vacinação, houve aumento na cobertura vacinal de 148% contra pneumococos – principalmente em idosos, que são os mais atingidos pela doença – e de 77% contra herpes zoster, em comparação a outros locais onde o serviço não é oferecido” argumenta Mena Barreto.

O Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP) também defende a regulamentação que permitirá que farmácias possam aplicar vacinas e soros. “São estabelecimentos capilarizados por todo o território e o acesso facilitado poderia aumentar o volume de imunizações, e, com isso, até baratear o preço dessa vacina, sem diminuir a qualidade do serviço, visto que o farmacêutico é um profissional qualificado para realizar esse procedimento de forma segura”, afirma a gerente de Secretaria Central das Comissões de Ética do CRF-SP, Dra. Luciane Maria Ribeiro Neto.
Burocracia no caminho

Apesar da Lei 13.021/14 permitir que farmácias de qualquer natureza disponham de vacinas para atendimento à população, o estabelecimento, que opte por prestar o serviço de aplicação de injetáveis, está condicionado à autorização prévia por parte do órgão sanitário, conforme disposto na Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 44/09 da Anvisa, mediante cumprimento de requisitos exigidos de infraestrutura e materiais, por isso nada pode ser colocado em prática sem a norma técnica.

“Ressaltamos que o fornecimento e aplicação de vacinas ainda pode estar condicionado a outros critérios, que devem ser verificados junto ao órgão de vigilância sanitária e até mesmo epidemiológica”, esclarece a Dra. Luciane.

De acordo com a assessoria de imprensa da Anvisa, o arcabouço regulatório já existe e não há impedimento legal que proíba a aplicação de vacinas em farmácias. O órgão, inclusive, destacou diversas legislações que tratam do tema: Portaria Conjunta Anvisa/Funasa nº 01, de 2 de agosto de 2000, que já prevê vacinação em estabelecimentos privados de vacinas; a Lei 5991/73; o Decreto 74170/74; e a RDC 44/09.

“O que está sendo trabalhado agora é uma norma técnica para deixar mais clara a execução dessa atividade em farmácias, já que há entendimentos diferentes da norma atual. O prazo é de um mês, no máximo”, informou a assessoria de imprensa no dia 16 de maio último (data em que esta reportagem foi apurada. Até o dia 18/06, data de fechamento desta edição, nenhuma novidade foi anunciada).

A Abrafarma reconhece o apoio e o esforço que a atual diretoria vem fazendo para tentar modificar a estrutura da Anvisa, sem deixar de lado a defesa da segurança na qualidade dos produtos e serviços de saúde, mas critica o excesso burocrático que impacta o tempo de análises de processos.

Não faz nenhum sentido entulhar a estrutura com autorizações de funcionamento de filiais, um processo meramente burocrático e sem sentido, e que duplica a ação dos municípios, que efetivamente são os responsáveis por licenciar e fiscalizar os estabelecimentos farmacêuticos. Isso sem falar das inúmeras reuniões da Diretoria Colegiada que se dedicam a avaliar recursos e mais recursos administrativos, atravancando a pauta, protelando a discussão de assuntos muito mais nobres.

Vacinação na Farmácia

Saiba quais são os investimentos necessários para estar apto à prestação do serviço de aplicação de injetáveis de forma geral em farmácias, conforme previsto na Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 44/09, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa):
Dentro da farmácia, é preciso ter uma sala exclusiva para a aplicação de vacinas, com dimensões, mobiliário e infraestrutura compatíveis com as atividades e serviço oferecido:

Estoque com câmaras de conservação ou geladeiras de uso exclusivo para as vacinas, com regulagem precisa de temperatura e distantes de qualquer fonte de calor;

Lavatório contendo água corrente, toalha de uso individual e descartável, sabonete líquido, gel bactericida e lixeira com pedal e tampa;

Uma pia preferencialmente de aço inox, mármore ou granito;

Piso de fácil higienização;

Paredes azulejadas na cor branca ou pintadas com tinta acrílica lavável;

Um balcão para preparo dos imunobiológicos.

Atendimento

• A responsabilidade técnica por farmácias é exclusiva do farmacêutico.
• Todos os tipos de vacina poderão ser aplicados, desde que a vacina esteja contemplada no calendário oficial de vacinação e para aquelas que não estão, é preciso exigir prescrição médica.

Fontes: Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP); e professora titular e farmacêutica responsável pela Farmácia-Escola da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e professora titular do curso de Farmácia da Universidade de Guarulhos (UnG), Maria Aparecida Nicoletti

 

Norma técnica

A Lei 13.021/14 não trata de aspectos técnicos sobre a aplicação de vacinas, mas a prestação do serviço de aplicação de injetáveis de forma geral em farmácias está prevista na RDC 44/09 com algumas exigências, como a presença de farmacêutico durante todo o horário de funcionamento; localização conveniente, sob o aspecto sanitário; equipamentos necessários à conservação adequada de imunobiológicos; acessórios que satisfaçam os requisitos técnicos estabelecidos pela vigilância sanitária; além de destacar a responsabilidade do farmacêutico quanto à garantia, eficácia e segurança da terapêutica prescrita e da observação dos aspectos técnicos e legais do receituário.

Conservação das vacinas

De acordo com a Dra. Luciane, vacinas requerem condições especiais de temperatura de armazenamento e conforme previsto na RDC 44/09. “Para aqueles produtos em que há exigência de condições especiais de armazenamento, devem ser obedecidas as especificações declaradas na respectiva embalagem, devendo a temperatura do local de armazenamento ser medida e registrada diariamente, sendo do farmacêutico a responsabilidade pela manutenção da adequada conservação e armazenamento de produtos farmacêuticos ou não dispensados na farmácia.”

Por isso, a Norma Técnica da Anvisa deve conter exigências como:

• A conservação das vacinas é feita por meio do sistema denominado rede ou cadeia de frio. Esse sistema inclui o armazenamento, o transporte e a manipulação de vacinas em condições adequadas de refrigeração desde o laboratório produtor até o momento em que a vacina é aplicada.

• Esse sistema rede ou cadeia de frio é respeitado em quatro níveis: 1. nível nacional, 2. central estadual, 3. regional e 4. local.

As câmaras de conservação ou geladeiras deverão ser usadas única e exclusivamente para os imunobiológicos, ou seja, serão câmaras de conservação ou geladeira dedicadas às vacinas. Deverão ter regulagem de temperatura máxima e mínima e devem ter um rígido controle.

Deverão ficar longe de fontes de calor, como estufa, autoclave, raios solares, etc. A fonte de energia elétrica deverá ser unicamente destinada ao refrigerador. Nunca ligá-lo em T ou com benjamim.

O estabelecimento deverá criar Procedimentos Operacionais Padrão para todas as operações demandadas a esta finalidade. “É necessário prever quais ações serão necessárias em situação de emergência, por exemplo, quebra de um refrigerador, entre outras, como: arrumação das vacinas no refrigerador; ordem de colocação; congelamento ou não e seu impacto na estabilidade das vacinas. Além disso, será preciso estabelecer o controle de toda a documentação necessária para assegurar a rastreabilidade das ações”, destaca a professora titular e farmacêutica responsável pela Farmácia-Escola da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e professora titular do curso de Farmácia da Universidade de Guarulhos (UnG), Maria Aparecida Nicoletti.

 

Autor: Flávia Corbó

Novos Postos

Edição 284 - 2016-07-01 Novos Postos

Essa matéria faz parte da Edição 284 da Revista Guia da Farmácia.

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