Qualidade de vida comprometida

Problema interfere, direta e indiretamente, no bem-estar dos acometidos. No Brasil, o percentual médio de pessoas afetadas por algum tipo de dor crônica é de 15% a 40%, ou seja, cerca de 60 milhões de portadores

Se qualquer desconforto, por menor que seja, já gera um transtorno na vida de qualquer um, imagina o que ele pode fazer quando se prolonga por horas, dias, semanas, meses e até mesmo, anos.

Sentir dor não é normal e a cada dia mais os médicos alertam para esta condição. A definição de dor mais utilizada é a da Associação Americana para o Estudo da Dor (IASP): a dor é uma experiência emocional desagradável, associada a dano tecidual real ou potencial, ou descrita nos termos de tal dano. 

De acordo com o gerente da área médica da Mundipharma, Dr. Eduardo Aguiar, a dor crônica é definida como aquela que persiste ou recorre por mais de três meses. “A dor deve sempre ser encarada como subjetiva e pessoal. Diversos fatores podem influenciar sua intensidade, tais como: fadiga, depressão, raiva, medo, ansiedade e sentimento de falta de esperança e desamparo”, destaca.

Para a anestesiologista e médica da dor do Hospital Santa Paula, Dra. Angela Maria Sousa, a palavra dor tem múltiplos sentidos, mas sempre está relacionada a sofrimento. Dor é multidimensional e varia desde a dimensão sensitiva, passando pela afetiva e motivacional, chegando à cognitiva, social e espiritual. 

“Dor crônica é definida como a que não cessou após o término do processo de cicatrização, ou aquela que persiste por meses. Pode receber o status de doença, deixando de ser apenas um sintoma. Esta geralmente não apresenta alterações orgânicas evidentes e é difícil de ser compreendida”, completa. 

Incidência da doença

No Brasil, inexiste, até o presente, um estudo epidemiológico que abranja todo o território nacional. No entanto, o neurocirurgião especialista em dor, Dr. Claudio Corrêa, estima que cerca de 30% da população brasileira sofra de dor crônica. Esta estimativa está de acordo com o observado em outros países, inclusive com índice de desenvolvimento humano mais elevado. 

“Aproximadamente 1/3 da população brasileira é acometida por dor crônica. O número é maior no norte e nordeste do Brasil. Predominam as dores musculoesqueléticas (síndromes dolorosas miofasciais, osteoartrites), seguindo-se as neuropáticas (neuropatia diabética dolorosa, neuralgia pós-herpética, neuropatias tóxicas, neuropatias traumáticas) e as disfuncionais (síndrome fibromiálgica, cefaleias)”, destaca o diretor técnico da divisão de clínica neurocirúrgica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), Dr. Manoel Jacobsen Teixeira.

De acordo com uma pesquisa realizada com uma amostra de 505 funcionários da Universidade Estadual de Londrina (UEL), a prevalência de dor crônica encontrada no Paraná foi de 61,4%; mais mulheres do que homens relataram dor crônica, conforme acrescentou o ortopedista Dr. Maurício Marteleto. Os locais de dor mais prevalentes foram cabeça (26,7%), região lombar (19,4%) e membros inferiores (13,3%).

“A dor lombar, por exemplo, é um problema de alto custo médico e social nos Estados Unidos, sendo causa de perda de 1.400 dias de trabalho por mil habitantes por ano; na Europa, é a mais frequente causa de limitação em pessoas com menos de 45 anos de idade e a segunda causa mais frequente de consulta médica. Na Holanda, são registrados dez mil casos novos, a cada ano, de pacientes incapacitados para o trabalho pela dor. No Brasil, em estudo realizado com pacientes com dor crônica, verificou-se que 94,9% apresentavam comprometimento da atividade profissional”, destaca o Dr. Marteleto.

O caso da fibromialgia

A fibromialgia ocorre em 2% da população. Ela responde por cerca de 5% dos atendimentos de ambulatório de clínica geral e 15% dos de reumatologia. É muito mais frequente em mulheres (seis a dez casos para cada homem) e se inicia dos 25 aos 50 anos de idade.

Ela é uma doença crônica, ainda sem causa definida, que ocasiona dores musculares intensas, cansaço e distúrbio do sono. “Os sintomas podem ser desencadeados por fatores, como infecções, insatisfações pessoais, doenças autoimunes, traumatismos físicos e anormalidades psicológicas que, entre outros, contribuem para a percepção e o agravamento da dor”, explica o diretor técnico da divisão de clínica neurocirúrgica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), Dr. Manoel Jacobsen Teixeira.

Como a fibromialgia não tem cura, o neurocirurgião especialista em dor, Dr. Claudio Corrêa, destaca que o tratamento visa melhorar a qualidade de vida do paciente, reduzindo as crises de dor. Para tanto, deve compreender acompanhamento multiprofissional e multidisciplinar, composto por medicamentos, terapias de reabilitação física (fisioterapia e outras atividades afins), terapia comportamental e, em última instância, procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos para inserção de bombas de morfina no corpo, cujas doses são administradas pelo paciente, conforme a prescrição e monitoração do médico.

 

Tratamentos disponíveis

A dor crônica interfere, direta e indiretamente, na qualidade de vida de quem é acometido por ela. Muitas vezes, os pacientes tendem a se isolar, se afastar das atividades pessoais e profissionais, ocasionando problemas psicológicos, como depressão, irritabilidade, ansiedade, angústia e dificuldades no convívio social. 

De um modo geral, 50% a 60% das pessoas que sofrem de dor crônica ficam parcial ou totalmente incapacitadas, de maneira transitória ou permanente. “Segundo inquérito populacional realizado no Brasil, mais de 1/3 da população apresenta comprometimento das atividades habituais devido à dor crônica e mais de 3/4 consideram que a dor crônica limita as atividades de lazer, relacionamentos com amigos e familiares”, complementa a anestesiologista e médica da dor do Hospital Santa Paula.

O tratamento, segundo o Dr. Aguiar, deve ter como base a melhora da qualidade de vida do paciente e, para isto, geralmente, é necessário uma abordagem multidisciplinar que inclui medicações, aconselhamento psicoterápico, fisioterapia, bloqueio de nervos e mesmo intervenções cirúrgicas. 

“Em termos de medicações, devemos seguir a escada analgésica da Organização Mundial da Saúde (OMS), iniciando com analgésicos de menor potência, como a dipirona e o paracetamol, podendo-se associar ao uso de anti-inflamatórios não hormonais ou hormonais (recomendados por curto período de tempo). Nas dores moderadas, podemos utilizar os opioides fracos ou mesmo os fortes em baixas dosagens, e nas dores intensas, a recomendação é de utilizarmos os opioides fortes. O uso combinado de antidepressivos e outros medicamentos que agem no sistema nervoso central como adjuvantes ao tratamento pode auxiliar na obtenção do efeito esperado.”

Em algumas situações, quando a dor é mais difícil de ser controlada com medicação, podem ser realizados procedimentos intervencionistas pouco invasivos, com a finalidade de bloquear a sensação dolorosa. Nesse caso, infiltrações de raízes nervosas ou bloqueio da sensibilidade por radiofrequência podem inibir a sensação de dor e permitir que o paciente realize suas atividades complementares.  

A dor aguda é causada por um traumatismo, um procedimento cirúrgico ou uma inflamação, que cessa num período curto (por exemplo: apendicite, infarto do miocárdio, cólica renal).

Já a dor crônica é aquela de duração contínua e que exige cuidados constantes, pois debilita com o passar do tempo. Em geral, ela não deriva de uma só causa, mas sim, de vários fatores que interagem e favorecem o seu desenvolvimento.

Dores agudas mais comuns:

Dores de cabeça – 81%

Dores nas costas – 46%

Dores abdominais – 26%

Dores musculares – 40%

Dores nas pernas ou nos pés – 43%

 

 

A dor do câncer

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Oncoguia com pacientes oncológicos, demonstrou que:

89% dos pacientes oncológicos que sofrem de dor crônica relatam ter sua rotina afetada pelo sintoma. 

• Mais de 80% relataram que a dor afeta o desempenho no trabalho, muitas vezes levando à perda do emprego. 

• Quando questionados sobre qual palavra descreveria melhor a convivência com esse sintoma, os resultados foram: desânimo (40,4%), angústia (35,6%) e desespero (17,5%).

• Além disso, 52% entrevistados atribuem à persistência da dor o surgimento de outros problemas de saúde, como depressão, ansiedade e aumento de doenças crônicas e obesidade.

Fonte: gerente da área médica da Mundipharma, Dr. Eduardo Aguiar

 

Adesão ao tratamento

Considerando-se que tanto o quadro quanto o tratamento são prolongados, a adesão ao tratamento é essencial. Porém, o Dr. Aguiar destaca que, na prática clínica, isso é difícil de ser obtido. “Segundo estudos internacionais e brasileiros, a plena adesão ao tratamento da dor crônica gira ao redor de 40% a 50%, ou seja, mais da metade dos pacientes não aderem ou aderem parcialmente ao tratamento, com prejuízo do resultado terapêutico obtido.”

Muitas vezes, segundo a Dra. Angela Maria, a melhora da funcionalidade é mais importante que a redução na intensidade da dor. “É importante que o doente compreenda que a medicação que foi prescrita pelo médico não cura a doença, mas melhora a funcionalidade.” Além disso, algumas atividades, como fisioterapia, nem sempre são fáceis de ser cumpridas, mas podem ser a solução que o doente precisa. 

Papel do farmacêutico

O farmacêutico é parte integrante da equipe multidisciplinar de tratamento da dor crônica e, assim como o médico, o fisioterapeuta e outros profissionais da equipe, deve sempre agir de forma a obter o máximo de adesão do paciente ao tratamento. 

Nas comunidades, é muitas vezes o farmacêutico o primeiro profissional a ser consultado pelas pessoas, o que lhe possibilita exercer a atividade educacional essencial no sentido de corrigir conceitos mal elaborados pelos doentes sobre preconceitos em relação ao uso de medicamentos ou uso abusivo e indiscriminado de produtos que, administrados de modo indiscriminado, sem obedecer as recomendações quanto às doses, à duração do tratamento e às contraindicações clínicas, podem desencadear condições médicas de alto risco.

“Além disso, existe o compromisso de enfatizar as razões do uso e da manutenção dos programas terapêuticos, quanto à natureza, à dose, aos momentos de uso e ao período de tratamento e de esclarecer eventuais dúvidas emanadas dos doentes e que não foram adequadamente esclarecidas pelos prescritores”, enfatiza o Dr. Teixeira. 

Autor: Vivian Lourenço

 

Proporções Pandêmicas

Edição 285 - 2016-08-01 Proporções Pandêmicas

Essa matéria faz parte da Edição 285 da Revista Guia da Farmácia.

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