Raio X da logística

Pesquisa realizada com executivos da cadeia de suprimentos revela preocupação com nova política de rastreabilidade dos medicamentos e com a infraestrutura rodoviária brasileira

A fim de traçar um panorama da cadeia de suprimentos no Brasil, a Accenture realizou uma pesquisa com 79 companhias de operação logística que atuam no País, entre novembro e dezembro de 2015. Executivos sênior, responsáveis por decisões estratégicas das empresas, foram convidados a responder a uma série de questões por meio de entrevista telefônica e questionário on-line. Diante das respostas, é possível conhecer as maiores dificuldades do setor e compreender como esses gaps, muitas vezes, têm reflexo direto no abastecimento ao varejo. 

De maneira geral, a maioria dos respondentes foi positiva quanto à grande parte dos aspectos avaliados. Mais da metade dos executivos avaliou como muito alto ou alto o nível de satisfação das operações. A capacidade de aliar custo a metas de orçamento foi avaliada positivamente por 78% dos executivos, por exemplo. Quanto à capacidade de ser ágil diante de diferentes situações, 75% das respostas foram positivas. Processos colaborativos com os fornecedores também parecem ir bem, com 73% de satisfação. 

De acordo com o diretor executivo e líder da prática de Supply Chain da Accenture, Carlos Capps, os númeos precisam ser observados com cautela para não levarem a conclusões equivocadas. “Nosso entendimento é que os respondentes tiveram uma tendência a comparar a eficiência de suas operações apenas com concorrentes do setor farmacêutico. Desse ponto de vista, reconhecemos também um avanço em relação a anos anteriores.”

Entretanto, segundo o executivo, quando comparado tanto a players de consumo como de varejo, o desempenho da logística do setor farmacêutico ainda tem áreas de oportunidade. “A participação dos custos de distribuição e armazenagem nos custos totais é consideravelmente mais alta, bem como os dias de cobertura de estoques. Isolando-se as particularidades de cada setor, a pesquisa revelou lacunas de desempenho que indicam oportunidades de melhoria em planejamento, contratação e operação de transportes e armazenagem, que podem não estar sendo visualizadas por algumas empresas do setor.”

Gaps e oportunidades 

Adequar-se a regras e regulações vigente é uma prioridade a curto prazo para 70% das companhias. No entanto, quando questionadas a respeito das novas regras de rastreabilidade de medicamentos que entram em vigor em dezembro próximo, apenas 58% das empresas participantes da pesquisa afirmaram estarem prontas para operar dentro do novo modelo no prazo estipulado. 

Segundo Capps, as adequações têm se mostrado bastante desafiadoras. “Uma implementação como essa depende de novas ferramentas e novos processos, além da integração de uma variedade de atores no ecossistema. Tal complexidade requer que as empresas enderecem rapidamente esse tema. O curto prazo para implantação em 100% das empresas do setor é o maior desafio.” 

Apesar das claras dificuldades de implantação de um sistema dessa magnitude, o executivo admite que o histórico de prorrogações de prazos em marcos regulatórios no País também gera certa acomodação em alguns players. “As maiores empresas do segmento mostram-se mais adiantadas no entendimento do novo modelo. Porém, acreditamos que o estágio de implantação ainda é embrionário. Essa situação é ainda mais crítica nos menores players”, afirma Capps. 

Um exemplo de prorrogação de prazo é a implantação da logística reversa no País. Fabricantes e operadores logísticos continuam aguardando a definição a respeito da forma que será implantada e quais serão as responsabilidades de cada elo da cadeia. Segundo a pesquisa, por 

enquanto, 35% das empresas afirmaram que devem utilizar recursos internos, aproveitando infraestrutura existente e recursos não aproveitados, para trabalhar com a logística reversa. 

Para Capps, ainda é cedo para tomar essa decisão. “Entendemos que há vantagens em operar internamente a logística reversa e que há espaço para absorver essa demanda adicional. Porém, decisões como essas não podem se limitar somente à existência ou não de capacidade e recursos, já que impõem novas complexidades que podem criar custos não previstos e impactar negativamente as operações. Esse caminho requer o desenvolvimento de novos processos e ferramentas para alavancar as operações sem riscos.”

Além dos novos desafios regulatórios que, em tempos de alta do dólar e crescentes custos com mão de obra e energia, comprimem as margens das empresas, a infraestrutura brasileira segue como outro inimigo da cadeia de suprimentos no País. As condições e restrições de tráfego nos grandes centros prejudicam a assertividade da previsão da demanda – a acurácia média é inferior a 40%. 

Os resultados são altos níveis de estoques na cadeia e de custos de transporte. “A matriz de transportes no Brasil é ainda muito concentrada em rodoviário, diferente de outros países no mundo que possuem distâncias e capilaridade semelhantes a do Brasil. Trânsito em grandes centros e outros problemas, como menor índice de pavimentação, insegurança e conservação das estradas, contribuem para a ineficiência do sistema”, lamenta Capps. 

Tecnologia como solução 

Com a imprevisibilidade causada pelas más condições de infraestrutura, 63% das empresas respondentes reclamam que custos com hora extra dos funcionários ou contratações de emergência representam um dos maiores gastos não previstos dos centros de distribuição e armazenagem. 

Capps enxerga que a melhor saída é o investimento em novas tecnologias. “Temos conseguido resultados expressivos desenvolvendo novas modelagens que incorporam as variáveis de distribuição e negócio, otimizando a utilização dos ativos, reduzindo custos e melhorando níveis de atendimento.”

No entanto, ainda há certa contradição entre os respondentes quando se trata do bom uso da tecnologia. A pesquisa revela que cerca de 40% das empresas ainda não dispõem de visibilidade on-line de suas operações de produção e armazenamento; ao mesmo tempo, as empresas retratam ter um alto nível de colaboração com clientes e fornecedores, que exige a troca dinâmica de informações. 

De um jeito ou de outro, logo será possível observar o real nível de controle que as empresas têm de suas operações. Diante da crescente complexidade das operações, aquelas que não investirem seriamente na melhora de tecnologia ficarão para trás. 

“Menores volumes, crescente portfólio de produtos, multicanalidade e as novas demandas dos consumidores exigem operações cada vez mais ágeis, obrigando a otimização de curto prazo. Para vencer esse desafio, é necessária a detecção antecipada e ação em tempo real, possível somente com a integração das cadeias e o uso pesado de tecnologia para a coleta e avaliação de dados como ferramenta de previsibilidade, agilidade e melhoria contínua”, determina Capps. 

Autor: Flávia Carbó

Avanço na saúde

Edição 287 - 2016-10-01 Avanço na saúde

Essa matéria faz parte da Edição 287 da Revista Guia da Farmácia.

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